Homilia na Ordenação Presbiteral do Diácono Jean Carlos, em Carmo do Cajuru
Mo“Se o grão de trigo que cai na terra não morre, fica só; mas se morre, produz muito fruto.” (Jo 12,24)
Caríssimos irmãos(ãs), motivados pela fé em Jesus Cristo e atraídos pela força do seu amor nos reunimos neste lugar inusitado para celebrar a ordenação presbiteral de mais um filho de nossa Igreja Particular, o Diác. Jean.
Nesta hora dirijo-me cordialmente aos seus pais, o Sr. Márcio e a Sra. Leonice, seus familiares e amigos,aos ministros ordenados, religiosos(as),vocacionados(as) e ao povo que o Senhor nos confiou nesta amada Diocese de Divinópolis.
O trecho do Evangelho que escutamos a pouco, nos transporta para Jerusalém, aquela cidade onde Jesus revelou-nos a verdade do seu amor, entregando-se por nós no altar da cruz.
Peregrinos
Neste cenário contemplamos a cidade santa e o rosto dos peregrinos, homens e mulheres que anualmente se dirigiam a Jerusalém para celebrar a páscoa. Percorriam longas distancias motivados por um sódesejo: prestar adoração a Deus em espírito e verdade.
Aqui se pode vislumbrar aquilo que somos: somos peregrinos e portadores de um grande desejo. “A minha alma tem sede de Deus, e deseja o Deus vivo.Quando terei a alegria de ver a face de Deus?” (Sal 41,3). Ir anualmente à Cidade Santa era a expressão mais bela desta prece que alimentava a espiritualidade do povo de Israel.
Caro Diác. Jean nunca se esqueça de que você pertence ao povo santo de Deus e será ordenado presbítero para servi-lo com alegria sendo peregrino com seus irmãos(ãs). Como bem nos recordou o Papa Francisco, os pastores são constituídos na Igreja para caminhar com o povo, às vezes à frente para guiar, noutras ocasiões no meio do povo para encorajar, e noutras vezes segue atrás; porque o povo de Deus, guiado pelo Espírito Santo, pode nos indicar novas vias para a missão. O presbítero é um peregrino em busca de irmãos(ãs) e não pode se aventurar a exercer sua missão sozinho.
Portadores de desejos
Os peregrinos que chegam a Jerusalém se movempelo desejo do encontro com Deus. Dentre estes, os gregos são portadores de um desejo singular, pois se aproximaram de Filipe e disseram: “gostaríamos de ver Jesus”. Não se trata de mera curiosidade, mas um desejo profundo de acolher o mistério que se encerra no Peregrino de Nazaré. Ver significa conhecer, aderir, crer; ou seja, procurar o Senhor, buscar aquele que toca verdadeiramente o nosso coração, acercar-se D’Ele para descobrir quem Ele é realmente. Ver implica a experiência mística da fé, que nos transforma em cristãos. Os gregos desejavam ver a luz que dissipa as trevas e vem ao mundo para iluminar todo ser humano (Jo 1, 4). Em Jesus eles verão o céu aberto e poderão contemplar a revelação plena de Deus.
Caro filho, eis aqui um caminho espiritual para a vivência do seu ministério na Igreja. Cultive no seu coração sacerdotal o desejo de ver Jesus (conhecer, aderir, crer) pois ele não foge e nem se esconde daqueles que o buscam. Ele se deixa encontrar nas diversas situações da vida e no rosto de tantos irmãos(ãs) sofredores.
A presença dos peregrinos gregos simboliza a universalidade da salvação em Cristo, pois ninguém está excluído do amor de Deus revelado no rosto misericordioso de Jesus. Daqui se depreende um outro princípio que deve nortear e reger o pastoreio em nossas comunidades: a abertura de coração e a solicitude para com todas as pessoas. O coração de um padre deve ser uma casa sem portas onde todosencontrem aconchego e seu o olhar deve abraçar por inteiro o mundo de cada pessoa. O nosso ministério é dom para todas as pessoas, sem nenhuma exclusão.
Mediadores
Neste trecho do evangelho vemos que Filipe e André, amigos do Senhor, facilitaram o acesso dos gregos a Jesus. “Apesar de Filipe, ter origens hebraicas, o seu nome é grego, como o de André, e isto é um pequeno sinal de abertura cultural que não se deve subestimar. Ambos são de Betsaida, “casa da pesca” (Jo 1,44).
A exemplo do Apóstolo Filipe você é chamado a ser um fiel intérprete e portador dos desejos, angústias e necessidades do povo. Filipe serve de intermediário entre o pedido de alguns gregos e Jesus(provavelmente falava o grego e pode disponibilizar-se como intérprete); mesmo se ele se une a André, é, contudo, a ele que aquelas pessoas desconhecidas se dirigem.
A atitude deste discípulo nos ensina que devemos estar prontos tanto para ouvir pedidos e invocações das pessoas, de onde quer que venham, como a orientá-las para o Senhor, o único que as pode satisfazer plenamente. Caro Diác. Jean, ao ser admitido na ordem dos presbíteros lembre-se sempre de que nós não somos os destinatários últimos das orações e necessidades daqueles que se dirigem a nós, mas o Senhor: para Ele devemos orientar todos aqueles que nos procuram em suas necessidades. Cada um de nós deve ser um caminho aberto para Ele!
Através destes dois apóstolos, os gregos puderam ver e tocar o Mestre. Eis aqui uma imagem sugestiva para a nossa experiência de fé: precisamos de outros que nos levem até Cristo! E não basta ouvir apenas o que os outros têm a dizer de Jesus. Ser discípulo significa viver a experiência pessoal com Ele. Cada um de nós precisa ver, olhar para Jesus e encontrar nele o próprio Deus, a razão e o sentido da própria vida.
Ao longo da sua caminhada missionária, certamente, muitos terão a graça de ver e encontrar Jesus Cristo através da sua vida e testemunho; mas também você, enquanto presbítero fará a experiencia do encontro com o Senhor por meio do testemunho de fé e da vida simples de tantos irmãos(ãs). O povo de Deus é o sinal da sua presença amorosa agindo no mundo. Somos todos mediadores da graça de Cristo.
Semente e semeadores
Quando Filipe e André apresentam a Jesus o pedido dos peregrinos gregos, Ele pronuncia palavras desconcertantes que revelam sua preocupação, pois dentro de alguns dias será crucificado. Podemos entrever na sua resposta o que o Senhor deseja e espera de todos nós, e mais ainda, daqueles que são chamados a servi-lo no exercício do ministério presbiteral.
Quais são estas palavras? “Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado. Em verdade, em verdade eu vos digo: se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto. E eu, quando for elevado da terra, atrairei todos a mim.”
Encontramos no Evangelho poucas frases tão desafiantes como estas palavras que resumem uma convicção bem própria de Jesus.
Caro filho, estas palavras marcaram o ritmo da vida do Senhor e a partir de agora vão emoldurar toda sua existência presbiteral. Sua vida será ordenada a partir desta palavra divina*. Podemos nos perguntar: O que se esconde no crucificado para que tenha este poder de atração? Só uma coisa: seu amor invencível oferecido a todos. Amor que se doa e se desfaz qual semente de trigo sepultada na terra. Com a nossa vida doada pode acontecer o mesmo que se dá com o grão de trigo, que deve morrer para libertar toda a sua energia e produzir fruto. Se não morrer permanecerá estéril, mas se morrer torna a germinar trazendo consigo novos grãos. Deste modo Jesus deixa entrever que sua morte, longe de ser um fracasso, será precisamente o que dará fecundidade à sua vida.Assim Ele nos chama a viver segundo esta mesma lei paradoxal: para dar vida é necessário morrer. Ninguém contribui para um mundo mais justo e humano vivendo apegado a seu próprio bem-estar. Ninguém trabalha seriamente pelo Reino de Deus e sua justiça, se não está disposto a assumir os riscos e rejeições, a conflitividade e a perseguição que Jesus sofreu.
Em suma: não se pode gerar vida sem dar a própria vida. Não se pode fazer viver os outros, se nós mesmos não estamos dispostos a ‘desviver’ pelos outros. A vida é fruto do amor e brota na medida em que sabemos entregar-nos. Na terra do mundo somos lançados qual semente do trigo para fazer frutificar o amor no coração das pessoas! Somos semente e ao mesmo tempo somos semeadores do Evangelho.
Dom Geovane Luís da Silva | Bispo Diocesano de Divinópolis – Carmo do Cajuru 20/09/2024