Homilia de Dom Geovane Luís na Ordenação Presbiteral do Diácono Marcos Paulo Rodrigues da Silva
De sua plenitude todos nós recebemos, e graça sobre graça. (Jo 1, 16)
Caríssimos irmãos(ãs), atraídos pela força do amor de Cristo nos reunimos para a ordenação presbiteral deste querido filho, o Diác. Marcos. Dirijo-me afetuosamente ao seu pai, o Srº. Paulo, trazemos à memória do coração a Srª. Maria Auxiliadora, sua mãe querida, que nos deixou, mas nos acompanha com sua prece junto a Deus; saudamos os seus familiares e amigos, ministros ordenados, religiosos(as), vocacionados(as) e o povo de nossa amada Diocese.
Caro Diác. Marcos, este trecho do evangelho de João que você escolheu para nortear sua vida ministerial, assemelha-se ao início de uma sinfonia na qual se preludiam os temas principais de uma obra musical. É um hino à Palavra, luz e vida de tudo e à Sabedoria Criadora, no qual a comunidade canta e proclama a autodoação progressiva de Deus: da criação à sabedoria; da sabedoria à lei, da lei à liberdade do Filho, doada a nós na carne de Jesus. Este texto nos convida a renovar a fé em Jesus e a entrar no mistério da sua encarnação.
Deus da proximidade
A Palavra de Deus se fez carne e iluminou o mundo. Deus não permaneceu distante de nós. Aproximou-se e assumiu nossa condição frágil e humana. A Palavra não se calou e veio até nós. Deus não permaneceu encerrado no seu mistério, mas quis comunicar-se conosco, através da sua proximidade e ternura. Jesus Cristo, Palavra viva do Pai, tornou-se carne para ser entendido e acolhido pelas pessoas simples e humildes. Deus nos falou de si mesmo encarnando-se em Jesus.
Caro Diác. Marcos eis aqui o horizonte luminoso no qual se insere sua vocação sacerdotal. A descida de Deus e sua vinda ao encontro dos homens e mulheres deste mundo é o exemplar mais belo para a vida dos consagrados e ordenados ao serviço na Igreja. A ordenação da vida para Deus nos leva ao encontro dos irmãos(ãs). O ministério sacerdotal não se destina aos anjos, pois estes estão no céu e servem o Senhor. Nosso ministério se destina aos homens e mulheres de carne e osso. Nunca se esqueça de que somos ministros de um Deus feito carne, identificado com a fraqueza do ser humano, respirando seu alento e sofrendo seus problemas.
Gerados pela Palavra
João afirma que Jesus é na realidade o Verbo de Deus, a Palavra que estava junto de Deus no princípio, isto é, desde a eternidade. Esta Palavra, enquanto expressão perfeita de Deus, também era Deus. A Palavra se dirige não só ao Pai, mas também ao mundo: como é amor e vida no interior de Deus, é também fonte de amor e vida para toda criatura. Antes da criação a Palavra estava voltada para o Pai, mas após a criação ela se volta para o mundo, para reconduzi-lo ao Pai; antes mesmo de assumir a condição humana.
A Palavra que estava em Deus pôs em marcha toda a criação, modelou o mundo e o ser humano. Nós mesmos somos fruto dessa Palavra misteriosa. Ela é o caminho que Deus escolheu para se comunicar com as suas criaturas.
Caro filho Diác. Marcos a força criadora da Palavra atua na liturgia da Igreja pela ação do Espírito Santo, pois ao ser ordenado presbítero você será constituído ministro e servidor da Palavra de Deus. Isto significa que o anúncio da Palavra constitui o eixo central do ministério presbiteral. Seja no bem ou no mal, o ser humano se torna a palavra que escuta. Ela é como uma semente que gera segundo a sua espécie: a Palavra de Deus gera filhos de Deus. Quem aceita a Palavra – Cristo é a Palavra – tem a mesma dignidade do Verbo de Deus: torna-se aquilo que ele é. A Palavra que é Cristo nos torna filhos(as), colocando-nos em diálogo com o Pai.
A Palavra é a luz para a nossa vida: se não a acolhemos, permanecemos na escuridão, não podemos nos orientar no nosso caminho. Enquanto ministro da Palavra mantenha o seu coração sempre aberto para acolhê-la. Só então você será capaz de transmiti-la fielmente às pessoas.
Acolher mistério de Deus
Deus manifestou sua luz e nos comunicou sua vida. Ele assumiu uma existência humana, pois deseja ser acolhido por nós e nos salvar. Ele fez todo o caminho para vir até nós. Acolhemos o Senhor em nossa vida? Vivemos uma relação real, autêntica com ele? É necessário acolher o Filho de Deus com fé, esperança e amor, para que assim Ele possa iluminar o nosso caminho. Nossa vida será fecunda se abrirmos nosso coração para acolher o Deus bendito que vem ao nosso encontro. Jesus é o Caminho que nos leva ao Pai. Ele mesmo, com seus gestos de amor, nos indicou a estrada que devemos percorrer para encontrá-lo. Da nossa parte, devemos seguir o caminho que Ele nos indica, e não buscar noutro lugar a nossa felicidade e realização.
Testemunhas humildes
O evangelista se refere a João Batista, que se torna testemunha de Jesus, para que todos creiam por meio dele. João é figura dos sábios e profetas que, em toda parte e sempre, indicam o caminho da luz. O fim do seu testemunho é que todos reconheçam a luz da vida e entrem no misterioso diálogo com Deus que os leva a viver na verdade. Os profetas não são a Luz, mas iluminados pela Palavra a testemunham aos outros, a fim de que todos acolham a luz da vida. É a voz da testemunha que leva a acolher a Palavra. A exemplo de João Batista, procure atrair as pessoas para Cristo. Fuja da autoreferencialidade e aponte Cristo para todas as pessoas. Esta é a nossa única missão.
Ao presidir pela primeira vez a Eucaristia, você fará esta experiência de desaparecer em Cristo. Após a consagração do pão e do vinho você se ajoelhará para adorar o Corpo e Sangue do Senhor. Naquele momento ritual tornar-se-á evidente a palavra do profeta: “É preciso que ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30). Também antes do rito da comunhão você tomará em suas mãos as espécies eucarísticas e as apresentará aos fiéis proclamando: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado mundo”. Os ritos litúrgicos também são performativos e têm a força de modelar nossa vida e ministério.
Da sua plenitude todos recebemos e graça sobre graça
A nossa vida é iluminada e confortada pela presença do Senhor que nos acolhe e muda as nossas perspectivas, ativa em nós a esperança verdadeira e a ousadia do amor generoso. De Cristo recebemos graça sobre graça, ou seja, recebemos tudo da Palavra: a criação, o nosso eu mais profundo e Deus mesmo. Jesus, o Filho amado, nos revelou o Pai com o seu amor generosíssimo: um amor que vai até à doação da sua vida para a salvação do mundo.
A nossa história pessoal e comunitária se realiza sob o signo gracioso da Palavra poderosa de Deus. A Palavra supõe um que fala, se exprime e se doa, e um outro que o escuta e o acolhe dentro de si. A Palavra implica duas pessoas que entram em relação e diálogo. Ela nasce do amor de quem fala, correspondido por quem escuta: é gerada pelo amor e gera amor. A nossa vida não é um dado automático, mas é diálogo gracioso com Deus, em uma existência responsável, de quem livremente escuta e responde.
De Cristo recebemos graça sobre graça, pois aquilo que conhecemos de Deus, é quanto vemos no homem Jesus. Na sua encarnação descobrimos quem é Deus e quem somos nós. Esvaziando-se da sua glória, o Verbo Eterno deixou impressa a imagem divina em cada ser humano. Não temos nenhuma outra imagem de Deus, porque a única imagem e semelhança sua somos nós mesmos. Deus é amor e quem ama se doa totalmente. No tornar-se carne, o seu dom é completo e definitivo. Deus é humanamente real e concreto, uma pessoa: Jesus Cristo.
Itaúna, 16 de novembro de 2024.
Dom Geovane Luís da Silva – Seja serviço de amor