Homilia de Dom Geovane Luís na Missa Pontifical de Dom Edmar José da Silva
“Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura!” (Mc 16,15)
Introdução
Amados irmãos e irmãs, seminaristas, diáconos e presbíteros,familiares e distintos pais do novo bispo, sr. Divino e Dona Efigênia, caríssimo irmão e amigo Dom Edmar, estamos celebrando o tempo pascal, e nesta atmosfera de festa e alegria, inicia-se na sua vida uma verdadeira passagem. A partir do rito da ordenação abre-se a estrada para um serviço maior na Igreja. Nestes dias recordamos que o sacrifício do Cristo, nossa Páscoa, ultrapassa em grandeza a criação do mundo e do universo: Ressurreição, Ascenção, sentar-se à direita de Deus, envio do Espírito Santo, são mistérios pascais. Estes mistérios assemelham-se a pedras preciosas cuidadosamente lapidadas que irradiam sua luminosidade e beleza mesmo quando a noite é escura.
O Mistério Pascal assemelha-se a uma profunda e inesgotável jazida de pedras preciosas, tão rico e denso que não podemos abarcá-lo somente com uma imagem, mas é preciso desdobrá-lo para podermos experimentá-lo plenamente em nossas vidas. Celebrar a Ascenção do Senhor aos céus é celebrar sua Ressurreição, ou seja, sua vitória sobre o mal e a morte. São apenas nomes diferentes que se referem à mesma realidade que constitui o mistério pascal, ou seja, que ao morrer, tanto Jesus como todos nós, mergulhamos na vida de Deus.
Somos filhos e filhas da Igreja que nasce e vive da páscoa de Cristo. Desde a hora em que Jesus entregou sua vida ao Pai no altar da cruz, tudo na Igreja está envolvido pelo fulgor esplendoroso da sua vitória sobre a morte e o pecado. É neste “Belo Horizonte” que se insere o ministério que senhorrecebeu da Igreja e na Igreja durante o rito da sua ordenação episcopal, celebrado ontem em Alto Rio Doce, sua terra natal.
A fé na Ascensão
Ao celebrarmos a eucaristia professamos nossa fé na Ascensão do Senhor e o fazemos antes do ofertório quando recitamos o Credo Apostólico ou Niceno. Isto não significa apenas crer que Jesus subiu aos céus, mas aceitar que Ele carrega consigo nossa humanidade e nos precede no caminho rumo ao coração de Deus, pois Jesus é o único Senhor e Salvador. Na sua ascensão aos céus ele revela a grandeza e a dignidade do ser humano aberto ao mistério, sedento de beleza, desejoso de ser alcançado pela misericórdia divina. Eis aqui o motivo para evangelizar hoje e servir o Senhor com alegria.
Subindo aos céus, Jesus acolheu tudo quanto é humano e desta maneira tudo redimiu. Sua entrada no coração do Pai nos motiva a manter os olhos fixos onde ele se deixa encontrar. Aquele que subiu aos céus está presente também no meio de nós e dentro de nós. Quão exigente e comprometedor é descobri-lo dentro de nós e nos outros! Hoje, parece que “é muito mais cômodo continuar olhando para o céu e não sentirmos implicados com aquilo que está acontecendo ao nosso redor. Muitas vezes ignoramos a realidade da vida e insistimos em manter o nosso olhar fixo no céu. E assim permanecemos indiferentes às dores e sofrimentos dos irmãos e irmãs.
Bendita palavra que ressoou aos ouvidos dos apóstolos na hora da Ascensão do Senhor aos céus e hoje se dirige a cada um nós: “por que, ficais aqui, parados olhando para o céu? Esse Jesus, que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu” (At 1,11).
No prefácio das orações eucarísticas somos convidados a tomar consciência da presença do Senhor no meio de nós, e por que não, dentro de nós, e também no mais alto dos céus.Isto se manifesta no breve diálogo entre aquele que preside a liturgia e a assembleia. Santo Agostinho intuiu perfeitamente esta verdade ao dizer: “Hoje nosso Senhor Jesus Cristo subiu aos céus; suba também com ele o nosso coração.” Quando o nosso o coração se volta verdadeiramente para Deus, que habita os altos céus, ele encontra repouso também no coração de cada ser humano.
A ascensão de Jesus é, simultaneamente, um movimento desubida ao céu e apelo veemente a descer, a retornar à cidade, a deixar as alturas, os montes e as nuvens fazendo estrada junto às pessoas na realidade desafiante onde elas se encontram e vivem. Assim foi o mistério da encarnação. Jesus, na sua vida e morte, desceu o nível mais profundo da condição humana e misturou-se com o mundo, fez-se solidário com todos os sofredores e ao ressuscitar e subir aos céus não se afasta da nossa humildade, mas nos dá a certeza de que nos conduzirá à glória da imortalidade. O cristão que tem os olhos fixos em Jesus, também saberá olhar o chão da vida e do sofrimento humano, fazendo-se presente de maneira cristificada, na realidade cotidiana.
Ascensão é missão
A elevação de Jesus aos céus se transformou em missão confiada aos seus discípulos. Sua elevação à dignidade episcopal, Dom Edmar, só pode ser entendida também nesta perspectiva. Como vem nos recordando o Papa Francisco, apartir de agora você é chamado a fazer o movimento da exigente descida da montanha rumo às periferias existenciais, sociais e religiosas, onde habitam tantos homens e mulheres sedentos da alegria e da beleza que somente o anúncio do evangelho poderá oferecer ao ser humano. Nestes lugares, a Igreja atualizará a ação misericordiosa e humanizante de Jesusatravés do seu ministério e pastoreio. Mas não duvide, em meio aos cansaços da missão, podemos experimentar o mistério da ascensão do Senhor, ou seja, aquela experiência vital de sermos abraçados por Deus, consolados pela sua ternura. Mas de que modo? A ascensão ocorre toda vez que, vivendo o presente, transcendemos os limites temporais e nos experimentamos ‘ser em Deus’. Nestes momentos nos alcança a Plenitude e saboreamos a verdadeira alegria. Quanto mais estivermos mergulhados na realidade, tanto mais nos esbarramos n’Ele, o Ressuscitado.
Amplitude da missão
A Igreja prolonga no mundo a missão libertadora de Jesus. Por isso o seu olhar deve ser um reflexo do olhar de Cristo sobre o mundo. Assim também deve ser o olhar de cada pessoa que acredita em Jesus, e mais ainda, o olhar do bispo; deve ser capaz de acolher todas as realidades, aparentemente contraditórias e abraça-las sem nenhum receio ou temor. A ascensão do Senhor pede de todos nós uma amplitude de visão, rompendo com tudo aquilo que atrofia e limita, nas diferentes dimensões da vida. Jesus olhava a realidade e captava o mistério de Deus presente na vida das pessoas. Somos chamados a olhar o mundo e as pessoas com a lente do evangelho, para sermos mais humanos, fraternos e acolhedores. Só assim haverá largueza de horizontes para a ação pastoral e evangelizadora da Igreja.
Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura!(Mc 1,11). Eis a ordem do Ressuscitado para todos nós. Jesus nos pede algo que ele viveu ao longo da sua vida e missão: ternura e proximidade para com todas as pessoas. O mandato missionário de Jesus nos questiona, nos desinstala e nos liberta das possíveis estreitezas do nosso coração. O Senhor, crucificado e ressuscitado, não quis que o Evangelho ficasse restrito ao pequeno grupo de seus discípulos. Pelo contrário, Jesus Ressuscitado os encorajou e revestiu de poder para que pudessem sair e deslocar-se afim de que a Boa Notíciachegasse ao mundo inteiro, a todos os povos, a toda a criação.
Ele nos acompanha
Diante da ordem de Jesus dada aos discípulos como nos sentimos? Qual o seu significado para nós, sobretudo neste tempo em que nos vemos impotentes diante de tantos desafios e sinais de indiferença à fé cristã e ao Evangelho?
O apelo de Jesus dirigido aos seus amigos não faz referência somente a uma questão geográfica, mas também humana podendo perfeitamente ser entendido assim: vá por todas as culturas, etnias, crenças, promova o diálogo, busque a unidade e se empenhe na construção de um mundo de irmãos e irmãs. Eis aí o vasto campo de ação missionária para todos os que creem em Jesus.
A amplitude de visão proposta por Jesus pode nos deixar paralisados e temerosos, levando-nos a pensar que ele esteja pedindo algo impossível a nós por causa de nossas fraquezas, limites ou poucos recursos humanos. Mas o Senhor não abandona aqueles que ele mesmo chamou e os tem no seu coração. “Jesus chamou os que ele quis; e foram até ele” (Mc 3,13).
No amplo horizonte da missão, toda a Igreja é sustentada pela presença consoladora do Senhor Ressuscitado. Ele nos ama desde sempre, nos chama para permanecer com ele, nos envia em missão e faz estrada conosco. Diante de nossas falências e crises muitas vezes somos levados a pensar que estamos sozinhos e por isso não daremos conta de acolher o mandato de Jesus: Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura. Chegamos até a pensar que seja impossível evangelizar hoje, mas não. Anunciar o evangelho hoje não é impossível, mas apenas diferente. Nunca nos esqueçamos de que Deus age no mundo pela força do seu Espírito. “Deus não está bloqueado por nenhuma crise”.
Diante do mandato missionário de Jesus somos convidados a renovar a nossa confiança em Deus, o Pai, pois ele continua trabalhando com amor infinito o coração e a consciência de todos os seus filhos e filhas, mesmo que nós os consideremos ovelhas perdidas e até mesmo hostis e indiferentes ao evangelho.
Assim escutamos no trecho do evangelho de São Marcos proclamado nesta celebração: “Depois de falar com os discípulos, o Senhor Jesus foi levado ao céu e sentou-se à direita de Deus. Os discípulos então saíram e pregaram por toda parte. O Senhor os ajudava e confirmava sua palavra por meio dos sinais que a acompanhavam”.
Caríssimo Dom Edmar, ao longo de sua vida e missão, certamente você já experimentou o quanto foi sustentado pela ternura de Deus. [Seminário, Roma, Faculdade Dom Luciano, Paróquias Santa Ifigênia, N. Sra. da Assunção, São Sebastião e Imaculada Conceição] E daqui para frente não será diferente, pois como disse a pouco: Deus nunca entra em crise. A partir de agora sua missão se alarga. Enquanto Bispo você é chamado a passar da particularidade de um lugar para a universalidade da missão. Coragem! O Senhor Ressuscitado oungiu com o seu Espírito Santo. Ele é amor constante que nosconsola, alegria que nos motiva, coragem que nos ergue quando caímos, esperança que nos impulsiona quando nos falta energia para prosseguir. Servi ao Senhor com alegria!
Dom Geovane Luís da Silva
Bispo Diocesano de Divinópolis
12 de maio de 2024
Ouro Preto – MG