Uma nova paróquia: como assim? Algumas provocações! – Parte 1
A assembleia dos Bispos deste ano (Aparecida, abril de 2013), da qual participei como Administrador Diocesano, tratou, como tema prioritário, da “nova paróquia: comunidade de comunidades”. Houve um texto que a assembleia recebeu, enriqueceu com contribuições dos bispos presentes e encaminhou como texto de estudo (documentos verdes da CNBB nº 104) para as Igrejas Diocesanas, nas suas várias instâncias e expressões, a fim de também receber os contributos que pudessem vir das bases e dos vários segmentos eclesiais. Essa renovação das estruturas e da forma de presença era já uma intuição e desejo forte do Documento de Aparecida (DAp, 2007) e das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2011-2015 (DGAE, documentos azuis da CNBB nº 94).
Conversão pastoral, que leve a “ultrapassar uma pastoral de mera conservação ou manutenção para assumir uma pastoral decididamente missionária” (DAp 370 e DGAE 26), eis a bandeira e a urgência que devem ocupar a mente e o coração de nossa Igreja, pastores e leigos, para dentro e para fora de nossos espaços eclesiais.
Quero apresentar alguns elementos, dentre tantos outros, que deveriam ser repensados e reconfigurados para que a novidade se ponha no nosso modo de ser e de estar na comunidade dos discípulos missionários de Jesus. A nova paróquia precisa de balizas evangélicas, desconstruções e novos formatos, ousadias e ardor missionário. Vejamos:
1) Para uma nova impostação da Igreja nos novos tempos, e da Paróquia como modo de expressar e organizar esta Igreja, faz-se necessária uma atitude permanente e fecunda de diálogo dos vários segmentos eclesiais e seus membros e agentes com o mundo e as novas realidades. Para se reapresentar e se reformatar é preciso conhecer, e profundamente, o “novo lugar de missão”. O mundo, geográfica e ontologicamente, é o mesmo, mas o contexto de rápidas e amplas transformações no quadro de valores, olhares, posturas, ideologias, comportamentos, horizontes vão definindo não apenas uma época de mudanças, mas uma verdadeira mudança de época. Não há quase nada hoje que se possa dizer ainda igual ou semelhante à realidade de 20 ou 30 anos atrás, ou menos. Tudo mudou. Mudou rápido, mudou muito, mudou sem critérios genuinamente cristãos ou, pior ainda, humanitários. Dialogar para conhecer é o ponto inicial sem o qual nada adiante terá consistência e efeito. E há muitos interlocutores: os outros cristãos, os novos saberes, as novas minorias, as novas ideologias, as castas de poder, as novas instituições organizativas de cidadãos, os ateus e agnósticos, os novos ambientes virtuais, a geração da morte de Deus e da religião…
2) Em perspectiva bíblica, precisamos retomar o lugar imprescindível hoje do pequeno: pequenas comunidades, pequenos grupos, pequenos encontros. A mania de grandeza e de quantidades elevadas tem que ceder espaço a estratégias e metodologias de pequeno porte, onde é possível conhecer, falar, interagir, criar laços. O grande é hoje um risco e um problema pastoral. Gera anonimato, frieza e instabilidade. O cristianismo nascente cresceu em torno e a partir das pequenas comunidades: afetivas, atrativas, domésticas, acolhedoras, hospitaleiras, solidárias. “É a partir das comunidades neotestamentárias que podemos haurir a perspectiva comunitária fundamental para repensar qualquer comunidade eclesial ao longo da história da Igreja” (Doc. 104, nº 35). Enquanto o cristianismo optou pelo modo pequeno de expressar-se, ele cresceu na qualidade e no testemunho da fé; e quando tornou grande e imperial, esvaziou-se de testemunho e qualidade.
3) Em perspectiva teológica, não se pode perder a irrenunciável característica comunitária da fé cristã. A experiência cristã de fé ou é comunitária ou não é cristã. A decisão de crer é pessoal. A vivência, a maturação e a expressão desta fé são necessariamente na, com, pela comunidade. Comunidade enquanto espaço relacional e enquanto estrutura paroquial. Desde a experiência familiar (Igreja doméstica), passando pelo caminho dos grupos eclesiais até alcançar a estrutura paroquial, a fé cristã é experiência de caminho percorrido em parcerias fecundas, em solidariedade ativa, em itinerância criativa. “A paróquia, desse modo, é uma ‘estação’ onde se vive de forma provisória, pois o cristão é caminheiro. Ele segue o caminho da salvação (cf. At 16,17)” (Doc. 104, nº 45). É na comunidade que se constrói a identidade cristã, pela via da iniciação à vida de fé. Esta identidade é condição indispensável para o diálogo com os “outros” que estão diante de nós ou nos questionando. Diálogo sem identidade madura e sem convicções próprias gera medo, incerteza e intimidação diante dos interlocutores.
4) A Igreja Particular, que é outro nome da Diocese, é o lugar onde está presente a Igreja de Cristo. O Bispo-Pastor, que preside como o primeiro entre os irmãos uma porção do rebanho de Cristo, em espírito de corresponsabilidade com seus colaboradores, os padres, diáconos, leigos, ao redor dos sacramentos, sobretudo da Eucaristia, da Palavra de Deus e da caridade ativa e pastoral, deve fazer crescer na comunhão e na missão os diversos grupos paroquiais e diocesanos, pequenos e variados nos carismas e nas finalidades pastorais. É preciso criar senso de pertença à comunidade, comprometimento missionário e relações interpessoais fecundas e sempre abertas. Precisamos recuperar as direções que o Vaticano II apresentou às paróquias e, por tabela, às dioceses: a passagem da preocupação com o territorial ao foco no comunitário; a descentralização e variedade dos ministérios, de modo que o padre não seja a síntese dos ministérios, mas o ministro da síntese; e o avanço para além da vocação cultual da fé até atingir sua vocação comunitária, missionária e samaritana. Não se trata de criar novas estruturas paroquiais e diocesanas para responder aos novos tempos e novos interlocutores, mas de recuperar o mais genuíno da vocação cristã.
5) No meio de uma realidade massificante e marcada pelo anonimato, pelas tecnologias de comunicação e interação, pelos desafios das grandes concentrações urbanas, pela circulação rápida e eficiente de novos conceitos, ideias e comportamentos humanos, pela incompatibilidade dos tempos e horários, é urgente uma pastoral urbana que contemple estas variantes e determinantes culturais da “nossa hora”. Nossas comunidades e igrejas deveriam ser casas sempre abertas, plurais também nos horários, nos serviços, nos atendimentos, na oferta do que temos a dar a quem venha a nós ou a quem encontramos no caminho da missão. É preciso “ajustar o relógio” com o ritmo deste tempo.