Pregação na Ordenação Diaconal do Seminarista Marcelo Geraldo
PREGAÇÃO NA ORDENAÇÃO DIACONAL DO SEMINARISTA MARCELO GERALDO DE OLIVEIRA
“Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, eu entrarei na sua casa e tomaremos a refeição, eu com ele e ele comigo”. Este é um fragmento precioso da carta ao Anjo, ao Pastor da Igreja que está em Laodicéia, no capítulo 3, do livro do Apocalipse. Facilmente percebemos que é um convite à intimidade da mesa, da casa, da vida, do coração: entrar e sentar juntos à mesa. É uma proposta que espera resposta. É um bater que aguarda o movimento de abertura da porta. É um desejo de afeto que aguarda reciprocidade. É um convite à vida de intimidade com o Senhor que bate. Não se pode deixar de abrir a porta sob o risco de perder a amizade mais preciosa que se poderia cultivar: a amizade com Deus.
Estamos aqui para ordenar diácono este nosso irmão Marcelo Geraldo de Oliveira. Não nos é difícil definir este ministério. Podemos apresentá-lo como o carisma do serviço: serviço da Palavra, do Altar e da Caridade. É o dom que Deus quer dar a quem se sente vocacionado a uma vida oferecida ao anúncio da sua verdade, ao cuidado com as coisas santas e ao cotidiano lava-pés da vida cristã. Definições são fáceis. Nós as encontramos nos bons dicionários ou nos lábios versados dos estudiosos. Contudo, saber o que se é ou se pretende ser não significa ter consciência e maturidade vocacional. Por vezes, conhecemos nossos “papéis” sociais e eclesiais, mas não damos conta deles, não os levamos a sério, não os tomamos com a seriedade devida.
Hoje, queremos nos perguntar o que significa para o Marcelo e para a nossa Igreja este primeiro grau do sacramento da Ordem que estamos conferindo a este nosso irmão. Diaconado, presbiterado e episcopado são os três graus do sacramento da Ordem, que configuram aquele que os recebe ao Cristo, servo, sacerdote e pastor. Celebrar este sacramento é, portanto, remeter a Cristo, de forma mais perfeita e íntima, aqueles batizados que, chamados pelo Senhor, aceitam e assumem uma conformidade mais estreita com o Sumo e Eterno Sacerdote Jesus Cristo. Isso não para mero bem ou realização pessoal, mas para o bem da Igreja, do corpo eclesial inteiro. “Cada um recebe o dom do Espírito para o bem de todos”, diz Paulo. Para o bem de todos! Nenhum dom ou ministério é para prestígio ou engrandecimento próprio. Seria carreirismo se assim o fosse! Mas é para o bem do corpo todo. Ganha o corpo, ganha a Igreja com o carisma e o ministério de cada um dos seus membros. Estamos para ordenar o Marcelo, mas quem ganha por primeiro é a nossa Igreja. O diácono Marcelo haverá de ajudar nossa Igreja a ser mais servidora, a ser mais atenta e zelosa com a palavra, com os santos mistérios e com o amor fraterno. O Marcelo ganha. A Igreja ganha. Todo dom é comunitário, é eclesial.
O gesto sacramental da imposição das mãos e as palavras de consagração darão nova configuração humana e espiritual ao Marcelo, mas não o tornam perfeito e completo neste ato. Estes gestos da Igreja sobre ele o capacitam para ouvir o Senhor que bate, mas se a porta se mantiver fechada, ele será apenas alguém que come sozinho, que quer desempenhar um serviço vivido a modo humano e pessoal. Contudo, se abre a porta e ceia com aquele que bate, então este diácono aprenderá daquele que veio para servir e que, na intimidade da vida espiritual e na mesa do coração, haverá de ensinar como se serve, a quem se deve servir e em que medida servir. Servir e não tiranizar. Servir para ser o primeiro. Estar no meio dos demais para servir e não para dominar. Servir como missão, com gosto, com alegria, como oferecimento generoso de si, como Jesus. Isso nos apresenta o trecho de Lucas que ouvimos (Lc 22,24-30).
Tudo isso me faz retomar hoje na meditação desta Eucaristia festiva, que enriquece nossa Igreja Particular com o chamamento deste irmão ao ministério diaconal, a urgência e a necessidade inadiável de uma fecunda vida espiritual, uma permanente intimidade com o Senhor que bate, entra e ceia com o discípulo que lhe abre a alma. Nunca aprenderemos a servir como devemos sem abrir a porta e cear com Jesus numa envolvente vida espiritual.
Lembro-me, ainda, das palavras que escrevi por ocasião da minha ordenação episcopal: “Sinto que devo, como bispo, cuidar dos irmãos que cuidam dos demais irmãos, isto é, cuidar dos sacerdotes e reacender sempre em cada um o encantamento e a paixão pelo Mestre e pela missão. Isso implicará num cuidado que terá como eixo a via espiritual, via capaz de reorganizar nossos afetos, nossos desajustes, nossas pobrezas, nossas misérias humanas, e capaz de preenchê-los com um amor sempre novo e gracioso, que vem de uma experiência fecunda e revigorante de Deus, e que nos capacite para começar sempre de novo, sem perder o vigor, a criatividade, o elã, o encanto do nosso chamamento e do nosso primeiro amor posto na direção de Deus.” O diácono, o padre, o bispo precisam ser homens habitados por Deus, homens que habitam em Deus.
Assim escreveu São João Paulo II, em 1992, na exortação apostólica sobre a formação dos sacerdotes (Pastores DaboVobis): A vida espiritual de quem se prepara para o sacerdócio é dominada pela “procura de Jesus”: pela procura e pelo “encontrar” o Mestre, para o seguir e permanecer em comunhão com Ele. Também ao longo do ministério e da vida sacerdotal, esta procura deverá continuar já que é inesgotável o mistério da imitação e da participação na vida de Cristo. Assim, o sacerdote deverá continuar cotidianamente este “encontrar” o Mestre, para transmiti-lo aos outros, ou melhor ainda, para despertar nos outros o desejo de procurar o Mestre. É preciso “permanecer” nele e no seu amor. É preciso ficar com ele, habitar com ele, como André e um outro discípulo no quarto evangelho (cf. Jo 1,39).
Eis, Marcelo, o que esperamos ver resplandecer em você: uma vida espiritual que revele sua intimidade com o Senhor e seja capaz de despertar essa mesma intimidade em quem partilhar seu caminho de missão.
Esta espiritualidade não pode faltar. Vácuos de espiritualidade geram vocações frustradas, ações pastorais insossas, vazios existenciais. Muitos dos nossos irmãos no ministério perderam sua vitalidade, seu zelo, seu amor à vocação, seu amor pelo povo de Deus, sua alegria interior, sua fidelidade aos compromissos assumidos porque deixaram de abrir a porta ao Senhor que bate. Convido-os a oferecer esta Eucaristia pelos irmãos, sobretudo os ministros ordenados e os consagrados, que vivem na frieza espiritual. Nós perdemos nosso equilíbrio humano, espiritual e vocacional quando, ocupando-nos de muitas coisas, não ouvimos a batida da porta ou julgamos que não dava para atender. “Marta, Marta, tu te ocupas com muitas coisas. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”. Cuidado com nosso dinamismo martano. O Papa já alertou sobre isso. São Gregório Magno escrevera na sua Regra Pastoral: “que o pastor não deixe, nas suas ocupações exteriores, enfraquecer seu cuidado com a vida interior; que na sua aplicação à vida interior, não negligencie o cuidado das ocupações exteriores. Dedicando-se completamente às atividades exteriores, ele se exaurirá interiormente; ocupando-se somente das atividades interiores, não procurará exteriormente, para o seu próximo, o que lhe é devido. Parecendo esquecer que foram colocados à frente de seus irmãos e responsáveis pelas suas almas, alguns se dedicam, frequentemente, com paixão, aos afazeres do mundo.”
Caro Marcelo, irmãs e irmãos, vivendo a diaconia da verdade, do culto a Deus e do amor, que o mundo não reconheça nossa competência e operosidade antes de nossa espiritualidade e nossa fé. Antes, porém, de nos reconhecerem pelo que fazemos, reconheçam-nos pela nossa pertença e nossa intimidade com Cristo, que haverão de transparecer no modo como nos dedicamos às pequenas e grandes causas. Que nossa vida espiritual, alimentada pelos sacramentos, pela leitura orante da Palavra, pela solícita compaixão pelos irmãos, pela contemplação adorante do Senhor, pela sadia devoção mariana, nos mantenha de pé nas tribulações, revigore-nos no cansaço, sustente-nos na diaconia cotidiana de fazer o que o Mestre fez e mandou fazer. Amém.
Dom José Carlos Campos
Bispo da Igreja de Divinópolis-MG