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O papa esquecido – Por Padre Helton

Paulo VI é um papa que ficou “deslembrado”. Ele não possui filas de devotos como Roncalli ou Wojtyla, mesmo sendo uma figura-chave da Igreja contemporânea. Entretanto, para entender o catolicismo do nosso tempo, é preciso tornar à grandeza e  importância do seu pontificado.

Giovanni Battista Montini foi eleito papa no dia 21 de junho de 1963 e assumiu o nome de Paulo VI, sucedendo a João XXIII. Em meio a numerosas dificuldades deu continuidade aos trabalhos do Concílio Vaticano II, encorajando a abertura da Igreja ao mundo moderno e o respeito à tradição, procurando sempre a união entre os Padres conciliares.

Um dos seus principais objetivos foi o de promover uma Igreja em diálogo com a sociedade. Era preciso renovar-se para apresentar a fé a um mundo tão mudado. Durante seu pontificado, quis promover uma profunda reforma da Cúria, a qual foi realizada dois anos depois do fim do Concílio. Com isso, a Igreja de Roma, renovada e em comunhão com as Conferências Episcopais, devia fazer crescer a mensagem do Evangelho em meio ao “povo de Deus”, expressão que ganhou vasto campo em seu pontificado.

Paulo VI deu início à prática das viagens apostólicas e visitou todos os continentes, começando da Terra Santa, onde aconteceu o seu histórico encontro com o patriarca ortodoxo Atenágoras. Outras metas importantes foram: Índia e ONU (1965), Fátima e Turquia (1967), Colômbia (1968), Genebra e Uganda (1969), Extremo Oriente e Austrália (1970); e também numerosas peregrinações na Itália.
A sua primeira encíclica Ecclesiam suam (1964) inaugurou o método do “diálogo da salvação” no interno da Igreja e da Igreja com o mundo. Suas outras encíclicas foram: Mysterium fidei, sobre a Eucaristia (1965); Mense Maio (1965) e Christi Matri (1966) pedindo à Virgem Maria pela paz no mundo; Populorum progressio, sobre o desenvolvimento dos povos (1967); Sacerdotalis caelibatus, sobre o celibato sacerdotal (1967); Humane vitae, sobre o matrimônio e sobre a regulação da natalidade (1968).

Aplicou os documentos do Concílio e impulsionou as suas reformas. Sofreu muito por causa das crises que sobrecarregaram o corpo da Igreja naqueles anos, mas respondeu a esses desafios com uma corajosa transmissão da fé, garantindo a solidez doutrinal num período de inúmeras confusões ideológicas. Revelou uma forte capacidade de mediação em todos os campos: foi prudente nas decisões, tenaz nas afirmações dos princípios, compreensivo nas fraquezas humanas.

Em diversas visitas ao mundo do trabalho (fábricas, empresas, etc) e com a Carta Apostólica Octogesima adveniens (1971) demonstrou uma atenção vigilante e interessada aos problemas sociais. Estudou novas estradas para a inculturação da fé (Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, 1975), numa compaixão afetuosa aos sofrimentos dos mais pobres. Defendeu, intensamente, os valores da família e da vida.

Possuía um caráter reservado, humilde e gentil, confiante e sereno, e uma excepcional sensibilidade humana, cultural, artística e filosófica. Homem de uma espiritualidade profunda – baseada nas Escrituras, nos Padres da Igreja e nos santos místicos – manifestou uma fé forte, uma esperança invicta, uma caridade quotidiana vivida na sobriedade pessoal.
Muito solícito para com os jovens, desde o início do seu ministério, indicou a eles e a todos os fiéis, as estradas da alegria da fé (Exortação Apostólica Gaudete in Domino, 1975) e da “civilização do amor” (Ano Santo de 1975).

Em 1970, antes da sua viagem à Ásia, assim expressou o sentido do limite da sua missão: “Eis um outro personagem. Pequeno como uma formiga, fraco, desamparado… Ele procura avançar no meio da maré de gente, tenta dizer uma palavra… O Papa ousa confrontar-se com os homens. Davi e Golias? Não, um Dom Quixote…”. O papa Montini, mesmo se sentindo um pequeno homem moderno na maré da complexidade do mundo, não renunciou a escrever uma história nova. Seu sonho e seu testemunho foi aquele da abertura universal, apresentando a Igreja não como mestra de civilidade, mas como especialista em humanidade.

No próximo domingo, 19 de outubro de 2014, ele será beatificado pelo papa Francisco durante o encerramento do Sínodo Extraordinário sobre a Família. Com isso, a Igreja espera que o seu testemunho não fique esquecido, mas se torne modelo para uma Igreja que busca a cada dia sua “conversão” na ação evangelizadora e na relação com a sociedade.

 

 

Por Padre Helton

 

 

 

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