Homilia para a Ordenação Sacerdotal do Diácono Marcelo Geraldo
Caríssimos irmãos no ministério presbiteral e diaconal, de nossa e de outras dioceses; queridos religiosos e religiosas, a quem saúdo com reverência neste ano da Vida Consagrada; prezados seminaristas, nossa esperança e nossa alegria; estimados membros da Comunidade Lírio do Vale e mantenedores deste belo retiro; irmãos e irmãs vindos de muitas partes; querida Dona Maria do Carmo, em cujo nome saúdo os demais familiares do Diácono Marcelo, caríssimo e querido Diácono Marcelo.
Nesta noite bendita da tua consagração ao segundo grau da Ordem sacerdotal, para o serviço do Senhor, da Igreja e do mundo, queremos no teu sim, a ser dito em breve, recordar, revisitar e renovar nosso sim de sacerdotes, dito em outros tempos, com os mesmos temores e inquietudes que hoje tu experimentas. Hoje, teu ser é acrescido de uma graça sacramental que conforma teu coração pequeno e pecador ao coração santo e perfeito do Sumo e Eterno Sacerdote Jesus Cristo. E isto por graça e eleição do Senhor, não por mérito ou estratégica escolha nossa. Jesus te quis, pronunciou misteriosamente teu nome, seduziu-te, atraiu-te a Ele, apertando-te ao peito com amor a ponto de escutares o coração do Bom Pastor e desejares entrar no compasso daquele coração manso e humilde.
Sacerdote verdadeiro é Jesus, único e eterno! Nós participamos indigna e sacramentalmente de tão sublime condição, e somos chamados a construir não nosso próprio sacerdócio, do nosso jeito, segundo nossa medida ou nossos critérios, obrigando nossa gente a aceitar só a medida que quisermos dar, mas somos chamados a reproduzir, criativamente, através do nosso sacerdócio participado e derivado, o sacerdócio perfeito, supremo e exclusivo de Cristo, sendo verdadeiros dons de Deus ao nosso tempo, respondendo às grandes carências de Deus e de cuidado pastoral que o clamor de nossa gente expressa de muitas formas. “O padre não é um mero delegado ou um representante, mas um dom para a comunidade à qual serve, como pastor e guia, sendo presença visível de Cristo”, palavras do Documento de Aparecida e do documento 100 da CNBB, sobre a “conversão pastoral da paróquia”.
Caro Diácono Marcelo, de que sacerdote nosso tempo precisa? Que feições de Jesus nossa gente quer ver em nós? Que perfil de sacerdócio nossa Igreja espera encontrar nos homens consagrados desta hora? Se Deus fala, constantemente, à sua amada Igreja, é preciso buscar no coração da Igreja estas respostas. É preciso “sentir com a Igreja”, “perscrutar as suas entranhas”. Tu não serás sacerdote de “carreira solo”, mas sacerdote da Igreja e na Igreja, membro de um presbitério, servidor (ou diácono!) de uma Igreja Particular. Não te esqueças de que nunca poderás deixar de ser diácono.
É Jesus, pela boca da Igreja, que deve ensinar-te a ser o que deves. Numa palavra: é preciso tomar a “forma de Cristo” no coração da Igreja e, a partir dela, no ventre do mundo. Precisamos de sacerdotes configurados a Cristo e não às suas próprias fantasias e projetos personalistas. Precisamos de sacerdotes que inspirem credibilidade, que exalem espiritualidade, que atraiam os distantes, que sejam próximos de todos, que tenham o cheiro dos seus, que exalem o odor de quem fadiga-se na missão e não o perfume dos acomodados, que tomem o lugar dos que sofrem, que estejam em toda parte onde Deus e o Reino precisam chegar, que amem como foram amados por Deus. Uma frase do meu encontro com o Papa Francisco ficará guardada para sempre: “Não sejam bispos que ninguém encontra em lugar nenhum!” Não sejas padre que tua gente nunca encontra em lugar nenhum, inacessível e intocável. Que tu, Marcelo, permitas que teu povo te toque, te veja, te encontre, te suje, te canse…
As leituras que escolheste para este teu dia fazem-nos pensar no amor que revela a presença de Deus, amor que dá a vida pelos amados, que empenha a vida toda numa existência doada, amor que frutifica em mil expressões de bondade e de beleza pastoral. O teólogo do amor, no seu evangelho e na sua primeira carta lidos hoje, nos faz pensar neste sinal que expressa a misteriosa presença do Ressuscitado. No quarto evangelho, há dois sinais distintivos dos que pertencem a Jesus: o amor e a unidade. “Nisto saberão que sois meus: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35). “Eu neles, ó Pai, e tu em mim, para que sejam perfeitamente unidos, e o mundo conheça que tu me enviaste” (Jo 17,23). Um amor que revele a quem pertencemos e uma unidade que faça o mundo crer naquele que fora enviado da parte de Deus e que congrega os seus.
Fiquemos, agora, apenas com o sinal joanino do amor. “Quem não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor”. Que amor deve circular entre nós? Um amor que gere vida, que cause reparação, que cure as feridas da alma e do corpo, que avance na medida daquele que nos amou antes e nos amou mais. Se este amor deve resplandecer na comunidade dos discípulos, mais ainda deve resplandecer em nós que tomamos a missão de presidir e confirmar a fé dos irmãos confiados aos nossos cuidados de pastores. Caros irmãos presbíteros, nossa medida de amor, na fadiga da missão, faz crer que somos mais estreitamente configurados a Cristo, mais próximos e amigos dele, mais apaixonados por ele, como lembra o Documento de Aparecida? Nossa medida vivida e expressa de amor educa e faz crescer o amor que circula nas nossas comunidades? Ou somos míseros em amar e incapazes de um testemunho de amor pastoral que produza frutos nos corações e na comunidade inteira?
A experiência de que somos amados por Deus funda a fé e o martírio. São Maximiliano Maria Kolbe, cuja memória celebramos hoje, amou como foi amado. Mostrou o amor que dá a vida pelos amigos. Ofereceu-se como amor que morre para dar testemunho de um amor que gera vida. No meio dos horrores do campo de concentração de Auschwitz, em 1941, um homem de nome Francisco, fora tirado aos prantos da fila de fuzilamento e trocado pelo prisioneiro de número 16.670, um frade franciscano. Um ofertório, um holocausto de amor: “eu no lugar dele”, propôs Frei Maximiliano Kolbe. Francisco, o resgatado do fuzilamento, estava na canonização, em 1982, do “santo do difícil século XX”, como o Papa João Paulo II apelidou São Kolbe.
Eis, caro diácono Marcelo, o amor que faz crer. Quem é este que ama assim? Um frade, um discípulo de um tal Jesus? Quem é este Jesus que dá sentido à morte mais horrorosa e a uma generosa troca da vida pela morte? Um frade por um pai… Os mártires não podem passar despercebidos. A fé deles incomoda, põe perguntas, leva a Jesus.
Nosso jeito de amar nossa gente pode levar a crer em Jesus… Nosso amor pequeno, condicionado, egocêntrico, totalmente impróprio aos mais íntimos de Cristo, pode levar a desistir da Igreja e de Jesus… E isso infelizmente acontece!
Não se consegue entender uma existência sacerdotal regada por amor pequeno. Será insuportável e inaceitável, será problemático e conflitivo o ministério pastoral sem um amor que se estique na proporção daquele com que fomos amados por Jesus. Talvez, por causa desse amor miúdo, é que muitos sacerdotes não têm unção na palavra. Não conseguem fazer bem feito nem aquilo que lhes é mais próprio como celebrar a Eucaristia. Causam frieza, desânimo e afastamento naqueles que os veem falar, presidir, escutar, decidir… Sacerdotes assim estragam a Igreja porque não dão fruto… E não dão fruto porque não entregam a vida… E não entregam a vida porque lhes falta compaixão… Se lhes falta compaixão, falta a alma do sacerdócio. Maximiliano deu a vida no lugar de um pai, como Jesus deu a vida pelos seus, amando-os até fim. O amor sacerdotal é amor vicário, isto é, amor que se dá por compaixão, que se dá “no lugar de”; daí, “vicarius”. O sacerdote é “vigário”. Põe-se no lugar de, sente com, sofre com, vai com, morre com… com sua gente, com seu pequeno rebanho. Nosso serviço é ofício de amor, amoris officium, como escrevera Santo Agostinho.
Nossas comunidades, Marcelo, esquecerão nossas belas pregações, nossos mirabolantes projetos paroquiais, nossas manias e pecados, mas não esquecerão nossos gestos de amor, o menor deles. Talvez insignificantes e corriqueiros para nós, mas fecundos e inesquecíveis para aqueles que os receberam. Um olhar, um aperto de mão, uma visita, uma escuta em hora imprópria, um abraço na hora da morte, uma parada para dar atenção, um nome guardado e pronunciado, um afago, um quase nada feito com amor… isso fará parte indelével de muitos corações sensíveis, que jamais nos esquecerão.
Termino, caro Marcelo, dando-te, porque te amo e te quero um sacerdote amoroso, alguns minúsculos conselhos: não te esqueças daqueles que certamente te amarão mais, os pobres; põe amor em tudo que fizeres, na escuta, no trato, no cuidado das pessoas, pois agirás em nome de um Deus que é amor; age, pois, como quem oferece Deus naquilo que fazes; cuida para que todos se lembrem do modo como presides a Eucaristia e não do modo como consegues executar planos ou ajuntar recursos. Celebra bem, pois a Eucaristia faz a Igreja, dá sentido ao sacerdócio e formata o coração dos seus comensais. “Aquele que comemos naquela mesa nos transforma nele”, como pregava Santo Agostinho.
São Maximiliano Maria Kolbe escrevera um dia: “Conseguiremos tudo mais facilmente pela intercessão da Virgem Imaculada, a quem a bondade de Deus confiou os tesouros da sua misericórdia. Pois não há dúvida que a vontade de Maria seja para nós a própria vontade de Deus. E, quando nos dedicamos a ela, tornamo-nos em suas mãos instrumentos, como ela própria, nas mãos de Deus. Portanto, deixemo-nos dirigir por ela, ser conduzidos por ela, e sejamos calmos e seguros por ela guiados: pois ela cuidará de nós, tudo proverá e há de socorrer-nos prontamente nas necessidades do corpo e da alma, afastando nossas dificuldades e angústias”.
Marcelo, que a Virgem Santíssima, tão presente na vida, na fé e no ministério de São Maximiliano, cuide do teu coração sacerdotal para que ele seja sempre lugar de um misterioso amor que torne criativo e fecundo teu ministério, e assim te mostres como um homem que nasceu de Deus e conhece a Deus, um homem dado à diaconia e ao sacerdócio do amor, um homem habitado por Deus, um sacerdote no qual se vê a Deus, que é amor! Amém.
Dom José Carlos de Souza Campos
Bispo de Divinópolis-MG