Homilia para a Ordenação Presbiteral do Diácono Pedro Henrique
HOMILIA PARA A ORDENAÇÃO PRESBITERAL DO DIÁCONO PEDRO HENRIQUE GUIMARÃES DE MOURA
Nova Serrana, 28 de novembro de 2020
Diácono Pedro Henrique, escolheste o tema do amor (caritas) para teu dia de consagração ao ministério presbiteral. Debrucemo-nos sobre os belos textos da Sagrada Escritura que desejas sejam iluminadores do teu pastoreio na Igreja. Chamas para ti e teu caminho vocacional o traço identitário primordial dos discípulos missionários de Jesus e do Cristianismo: o amor! Sem ele, não serás nada. Teus mais belos e louváveis dons – e sei que tens muitos! – seriam nada e não serviriam para nada. Serias tão somente um inútil bem dotado, um competente estéril, um fracassado requintado. Nada mais! Creio, contudo, que tenhas escolhido a virtude cristã do amor para jamais perderes o foco, ou para dar-te um grande e necessário ideal que desejas alcançar pouco a pouco, ou para não te perderes em mediocridades e egolatrias. A motivação veio do teu coração. E agora, através desta celebração de tua unção sacerdotal, estás comprometido pessoal e publicamente com o que o Cristianismo tem de mais precioso, exigente e testemunhal. Cito-te alguns versículos da Palavra de Deus escrita, para dar-te ainda mais a grandeza e a distinção desta nota existencial, crística e ética do teu sacerdócio. Não podes fugir disto nem medir-te por baixo.
“Nisto saberão que sois meus: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35). “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a própria vida pelos seus amigos” (Jo 15,13). “Este é o meu mandamento: amai-vos como vos amei” (Jo 15,12). “Quem não ama não conheceu a Deus, pois Deus é amor” (1Jo 4,8). “Quem não ama a seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê” (1Jo 4,20). “Quem ama a Deus ame também o seu irmão” (1Jo 4,21). “O amor não faz nenhum mal contra o próximo e é o cumprimento perfeito da lei” (Rm 13,10). “A ninguém fiqueis devendo nada senão o amor” (Rm 13,8). “O amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor 13,7). “O amor é forte como a morte” (Ct 8,6). Tu me amas? Apascenta minhas ovelhas e meus cordeiros (cf. Jo 21,15-17). Tu me amas? Segue-me! (cf. Jo 21,19).
Pedro Henrique, através do amor com que desejas edificar tua história sacerdotal serás conhecido como de Cristo (e como Cristo mesmo); deverás dar tua vida como Cristo (serás cordeiro de sacrifício); deverás amar como foste amado por Cristo (eis o novo do mandamento do quarto evangelho, a medida: amar como); mostrar-te-ás como mergulhado no mistério de Deus (mistagogo e íntimo de Deus); serás não um mentiroso, mas um servo fidedigno; terás que amar teus irmãos de natureza com tudo que eles são e trazem consigo (os de dentro e os de fora do redil, as ovelhas e os cordeiros, o clero e os fiéis leigos, os que te amarão e os que te odiarão); terás uma dívida de amor até o juízo final e serás julgado por este critério (todo feito aos irmãos é feito a Ele); deverás sofrer tudo, crer tudo e suportar tudo! Isso não é muito? Não, Pedro! É o caminho, é a medida, é a estatura de Cristo, em cuja rota de plenitude deves tu, devemos nós todos progredir dia a dia.
Já te perguntaste, Pedro, qual é a medida de teu amor? Só tu e Jesus sabeis! Só Ele tem o direito de fazer-te esta pergunta, porque só Ele pode ler tua resposta sem palavras, porque Ele lê teu coração. Tua sorte, nossa sorte, é que Jesus aceita nossa medida desde que ela cresça no caminho, passe de medida infantil a quilate maduro e adulto.
O texto do chamado de Simão Pedro, no quarto evangelho, é paradigmático e de grande força simbólica para nosso chamado vivido no Sacramento da Ordem. Só depois de ter suportado Simão (feito Cefas, feito pedra, feito Pedro) e suas dúvidas, impulsividades, medos, apostasias, fugas, é que Cristo o chama. Após a ressurreição, “Jesus se manifestou aos discípulos, comeu com eles” e só então se dirige a Simão para saber o que restou naquele coração humano depois de tudo que ele viu, ouviu, testemunhou, aprendeu, creu, duvidou… Não antes, só ao fim, Cristo o interroga para saber se podia confiar-lhe os seus cordeiros e ovelhas. Se tinha amor suficiente para o seguimento e a missão do primado.
As perguntas de Jesus e as respostas de Simão Pedro escondem o que nossas traduções bíblicas, infelizmente, não deixam entrever. Jesus pergunta sobre um quilate e uma potência de amor e Pedro responde oferecendo uma medida bem inferior. É assim nas duas primeiras perguntas de Jesus e nas três respostas de Simão. Jesus pergunta a Pedro: “Tu me amas com amor-ágape, com o amor com que eu te amei?” Duas vezes, Jesus pergunta assim. A estas duas interrogações, Simão responde: “Sim, tu sabes que tenho grande amizade por ti”. Na terceira vez, Jesus pergunta diferente: “Tu tens então grande amizade por mim?” Ao que Pedro responde: “Senhor, Tu sabes tudo, conheces meu coração, tu sabes que só tenho uma amizade grande por Ti, é o que tenho hoje, nada mais que isso!” Jesus pergunta por amor. Pedro oferece amizade. Jesus quer “ágape”. Pedro tem “filia”, só amizade. Mas Jesus aceita! Eis, Pedro Henrique, nosso consolo inicial. Jesus aceita a medida miúda de Pedro. Jesus aposta numa conversão maior posterior e num “a mais” que virá depois, no caminho, até atingir uma medida “agápica”, até Simão amar como foi amado, até oferecer no mesmo lenho um amor à altura do que recebeu no lenho de seu Mestre, até entender que o amor é mais forte que a morte. Eis o que não percebemos na letra do texto. Mas vale saber que é assim!
Dom Bruno Forte, arcebispo de Chieti-Vasto e renomado teólogo italiano, disse num retiro pregado em Roma aos bispos recém ordenados em 2014: “Não é Pedro que se converte a Jesus, mas é Jesus que se converte a Pedro, à sua medida possível de amor no início do chamado”. Contudo, medida pequena no início e plena ao final. “Se não te lavar os pés, não terás parte comigo”. O Mestre Jesus lavou-lhe os pés, comeu com ele, chamou-o, recebeu dele amor-filia para confiar-lhe o rebanho e colheu mais tarde, pelo testemunho do martírio, o amor-ágape, que fora amadurecido no caminho missionário do anúncio pascal.
Pedro Henrique, irmãos sacerdotes e diáconos, Jesus aceitou nossa medida miúda e inicial de amor, certamente desejando e sabendo que a faríamos crescer no nosso caminho de conversão e missão cotidianas. Importa mais a medida final do que a inicial. Por isso, Pedro Henrique, talvez tua medida de amor seja ainda pequena e infantil pela tua pouca idade, pelos teus medos, tuas fantasias, tuas preocupações juvenis… Mas, te peço, para não passares vergonha ao final nem te tornares indigno do chamamento, faze dia a dia teu amor mais evangélico, mais encarnado, mais crístico, mais ágape. Supera a medida de hoje. Ela é importante, mas é inicial. Jesus a aceita, converte-se à tua medida, acreditando que serás mais, amarás mais, darás a tua vida também, perderás o medo de morrer porque entenderás o poder ressuscitador do amor.
No teu caminho de seguimento passarás do desejo e das fantasias vocacionais à configuração e imitação do Mestre, que “tendo amado os seus, amou-os até o fim”. A graça sacramental na tua existência sacerdotal te levará de “outro Cristo” a “Cristo mesmo”. A “imagem de Cristo”, e não outra, deve reluzir em ti. Não te encantes com outra imagem nem te preocupes com tua própria imagem. Preocupa-te com a imagem de Cristo em ti! Se mantiveres em ti tão somente a medida inicial de amor, a de hoje, não serás capaz de retribuir como foste amado, de dar a vida na cotidianidade sem martírio e muito menos na oferenda radical de ti mesmo para morrer pela fé que professas e ensinas. Jesus agora se converte a ti, Pedro Henrique, aceitando teu sim e teu amor de hoje, mas és tu que deves, no caminho, converter-te a Ele! É a pedagogia de Jesus! Para isso, “conforma tua vida ao mistério da cruz do Senhor”. Contemplando o “misterium crucis”, saberás até que medida deves crescer, pelo poder do próprio mistério contemplado.
Caro Diácono Pedro Henrique, quero encerrar minha meditação com palavras de Agostinho. Sinto-me à vontade para fazer minhas as palavras deste outro bispo, mais santo, mais sábio, mais respeitado pela conversão que atingiu. Dizia o Bispo de Hipona: “A tríplice confissão de Simão Pedro apaga a tríplice negação, para que a língua sirva mais ao amor que ao temor. […] Seja serviço de amor apascentar o rebanho do Senhor, como foi prova de temor negar o Cristo pastor. Quem apascenta as ovelhas de Cristo como se fossem suas, não ama a Cristo, mas a si mesmo. Que quer dizer: ‘Tu me amas? Apascenta as minhas ovelhas’ senão isso: se me amas, não penses em te apascentar a ti mesmo, mas as minhas ovelhas; apascenta-as, considerando-as minhas e não tuas; procura nelas minha glória, não a tua; meus interesses, não os teus; não sejas daqueles que nos tempos de perigo só amam a si mesmos e tudo o que deriva deste princípio, que é a raiz de todo mal. […] O defeito que mais devem evitar os que apascentam as ovelhas de Cristo consiste em procurar os próprios interesses e não os de Jesus Cristo, destinando ao proveito próprio aqueles por quem Cristo derramou seu sangue. O amor de Cristo deve crescer até atingir tal grau de ardor espiritual naquele que apascenta as suas ovelhas que supere até mesmo o natural medo da morte, que nos leva a não querer morrer, ainda que queiramos viver com Cristo. […] Os pastores são também ovelhas do único rebanho, governado pelo único Pastor, Jesus. De todos nós ele fez suas ovelhas, por todos nós padeceu; para padecer por todos nós, ele mesmo se fez ovelha” (Tratado 123,5), conclui Agostinho.
Pe. Pedro Henrique (em breve), sê pastor que ama e cordeiro oferecido ao sacrifício da missão. Teu ministério sacerdotal seja “amoris officium”. E tua conformação ao Cordeiro Pascal seja expressão do teu amor-filia tornado amor-ágape, e possas dizer, senão agora ao menos ao final: “Tu sabes tudo, Senhor; só tu sabes o quão verdadeiramente te amei!”
Teu ministério sacerdotal desponta num contexto de trágica e desoladora pandemia, portanto, creio ser oportunas, para terminar, estas palavras de Santo Ambrósio: “Recebeste o múnus sacerdotal e, sentado à popa da Igreja, governas a barca em meio às ondas. Segura bem o leme da fé, para que as fortes procelas do mundo não te perturbem.”
Que o Senhor Deus complete em ti a obra que ele começou (Sl 137,8), e te leve à perfeição do amor, da caridade pastoral do Cristo Pastor e Cordeiro, para que um dia sejas contado entre os benditos, no reino que lhes foi preparado desde a fundação do mundo. Que a Virgem das Graças te seja propícia e generosa na intercessão. Amém.
Dom José Carlos de Souza Campos, Bispo Diocesano de Divinópolis-MG