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Homilia para a Ordenação Diaconal dos Seminaristas Anderson da Fonseca e Bruno Henrique

“Pela caridade, colocai-vos a serviço uns dos outros” (Gl 5,13)

Iniciamos o mês missionário, celebramos a memória da Pequena Teresa, ordenamos dois irmãos para o ministério diaconal. Tudo hoje faz pensar na natureza missionária da fé. A missão não é um elemento ou dimensão da fé, mas é a mais genuína encarnação e expressão da fé. A fé é anunciar alguém, seguir atrás, testemunhar um mistério, aprender um modo de viver, agir nos horizontes do mundo tendo os olhos na transcendência, é movimento para frente e para o alto.

Nossa fé é um dom, uma riqueza, uma identidade que ninguém pode roubar ou impedir de ser vivida e expressa plenamente. Ninguém! Não podemos ser impedidos de crer. Encontramos Jesus, e nele encontramos sentido e beleza para nossa vida e nossa história pessoal e coletiva. “Ai de mim se eu não evangelizar”, testemunhara Paulo. Evangelizar é anunciar Jesus, o Messias, seu nome, seu mistério, seu reino, sua salvação. Aqui não se trata apenas de passar adiante um conteúdo, uma doutrina, um livro, mas trata-se de fazer uma opção fundamental, uma opção decisiva e crucial: optar por Jesus e ir com ele, ou então seguir qualquer outro que não leva a lugar nenhum, ou melhor, leva ao fracasso, à falência, à derrocada do ser humano e da humanidade inteira. A humanidade não vai a lugar algum sem Deus, sem Jesus Cristo. Daí o imperativo missionário de anuncia-lo: “Ide e fazei discípulos todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-os a observar tudo o que vos mandei”. Eis o ensinamento de Jesus hoje. Ninguém pode ficar de fora. Se a Igreja, seus ministros, seus membros vão a algum lugar ou se dirigem a um grupo qualquer é para anunciar Jesus e convidar à conversão a Ele. Não simplesmente para estar perto ou mostrar parceria. Mas é para convocar à conversão de vida e de coração. “Convertei-vos e crede no Evangelho” significa conversão na direção de Jesus Cristo, que é a Palavra, o Verbo, o Evangelho do Pai. Sem Jesus e fora dele sujeitamo-nos a escravidões e jugos, ritos e normas que não geram vida e não educam para a liberdade verdadeira, corremos na direção errada, decaímos. “Quanto a nós, que nos deixamos conduzir pelo Espírito, é da fé em Jesus que aguardamos a justificação… Em Jesus Cristo, o que vale é a fé agindo pelo amor… Fostes chamados para a liberdade… Fazei-vos servos uns dos outros pelo amor”. Palavras hoje de Paulo e no meio delas o lema de vocês dois, Anderson e Bruno. Pela caridade, colocai-vos a serviço uns dos outros. A fé age pela caridade. E esta caridade, feita a um ou a uma sociedade inteira, caridade pessoal ou caridade social, é exigência, consequência e fruto da fé. Por isso podemos falar de uma Doutrina Social da Igreja, tão desconhecida e tão urgente nestes tempos. E o que fazemos nesta ação pessoal ou coletiva fazemos na trilha de Jesus, obedecendo ao seu mandato, observando tudo o que Ele nos mandou fazer e como Ele mesmo fez, sofrendo as consequências da escolha deste “caminho”. E “caminho” foi um dos nomes do cristianismo nascente, conforme nos ensina Atos dos Apóstolos (9,2).

O melhor serviço que realizamos na dinâmica da fé é anunciar nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e n’Ele e por causa d’Ele fazer, sofrer, esperar todas as coisas. Na mensagem do Papa Francisco para o dia mundial das missões, celebrado no quarto domingo deste mês, lemos: “Assim como Cristo é o primeiro enviado, isto é, o missionário do Pai e, como tal, é a sua testemunha fiel, assim cada cristão é chamado a ser missionário e testemunha de Cristo. E a Igreja, comunidade dos discípulos de Cristo, não tem outra missão senão a de evangelizar o mundo, de dar testemunho de Cristo. A identidade da Igreja é evangelizar”. O Papa ainda alerta, citando um fragmento da Evangelii Nuntiandi, de São Paulo VI: “A Evangelização nunca é para ninguém um ato individual e isolado, mas profundamente eclesial [e comunitário]. Quando o mais desconhecido pregador, catequista ou pároco, no lugar mais remoto, prega o Evangelho, reúne sua pequena comunidade ou administra um sacramento, ou mesmo que esteja sozinho, realiza um ato da Igreja, e seu gesto está ligado […], por laços invisíveis e raízes profundas da ordem da graça, à ação evangelizadora de toda a Igreja” (EN 60). Somos, como batizados, membros de uma comunidade de fé, chamados todos a dar testemunho e a ser testemunhas de Cristo. “Na evangelização caminham juntos o exemplo de vida cristã e o anúncio de Cristo. Um serve ao outro. São os dois pulmões com os quais cada comunidade deve respirar para ser missionária”, ensina o Papa Francisco. “A indicação [de Jesus aos discípulos de irem] ‘até os confins do mundo’ deve interpelar todos os discípulos em todos os tempos, impelindo-os sempre mais a ir além dos lugares habituais para levar seu testemunho”. Francisco insiste que “A Igreja de Cristo sempre esteve, está e estará ‘em saída’, rumo aos novos horizontes geográficos, sociais, existenciais, rumo a lugares e situações humanas ‘fronteiriços’, para dar testemunho de Cristo e do seu amor a todos os homens e mulheres de cada povo, cultura, estado social”.

Eis, caros irmãos Anderson e Bruno, irmãos sacerdotes, diáconos, religiosas e religiosos, irmãos leigos e leigas, a natureza e os horizontes de nossa fé, independente de nosso estado de vida ou nossa vocação no seio da Igreja.

Neste dia, conferindo a Ordem do Diaconato a estes dois irmãos, quero recordar a todos que nossa fé missionária, e a deles dois por excelência, está intimamente vinculada e remetida sempre à Palavra, à Caridade e ao Altar, ou noutras palavras, nossa fé missionária esta alicerçada na verdade, no amor e na transcendência. Vamos aprofundar isso brevemente.

O diácono, recebendo o primeiro grau do sacramento da Ordem, identifica-se, como batizado, com maior perfeição ao Cristo Servo e Servidor, servo do Pai e servidor dos irmãos. Quem não vive para servir não serve para viver. Esta máxima atribuída a Gandhi define bem a fé cristã: viver é servir. “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos”, ensina Jesus. A dimensão do serviço traduz bem a dinâmica do ministério ordenado nos seus três graus. O ministro ordenado é um servo de Deus e um servidor da comunidade. Um olhar para o alto e outro nos horizontes da fraternidade universal, inseparavelmente e permanentemente.

O diaconato recorda ao ministro ordenado que neste grau e nos outros dois, presbiterato e episcopado, sem perdas nem diminuições, nosso ministério precisa ser um ofício e uma fadiga pelo anúncio da verdade revelada, pela caridade cristã e pela orientação à transcendência. Nós, os ministros e servidores da comunidade cristã e de cada pessoa humana, com exemplaridade, ousadia e profetismo, anunciemos a verdade revelada do alto, Palavra que salva, que é a medida e o juízo de toda pretensa verdade. A incompatibilidade entre elas revela a mentira e o engano do que está na contramão de Deus, do Evangelho e do Reino. Dediquemo-nos ainda com igual labuta ao testemunho eficaz e coerente que emerge da caridade cristã, do lava-pés cotidiano, na direção de todos, na direção de todos, repito. Santa Teresinha ensinava: “Os melhores carismas nada são sem a caridade e esta caridade é o caminho mais excelente que leva com segurança a Deus. […] A caridade deu-me o eixo de minha vocação”. E, por fim, mergulhemos sem medo na transcendência de Deus, vivida e celebrada nos mistérios da fé, particularmente ao redor do altar de Deus.

O diaconato de Anderson e Bruno recorda a todos nós, discípulos missionários do Mestre Jesus, que somos a religião da Verdade revelada, do Bem, da Transcendência. Nossa vocação batismal e nosso ministério ordenado são para anunciar isso e ajudar a comunidade inteira a perseverar neste caminho, neste modo de viver no mundo. A fragilidade do processo evangelizador se evidencia quando pretensas ou pseudoverdades se tornam guias de cristianismos tortos e estranhos; quando nossa ação moral se torna ideológica e não evangélica; quando o mundo se torna nosso único horizonte e pura imanência. Precisamos avançar numa iniciação cristã, numa animação bíblica da pastoral e num processo permanente de educação da fé para não esvairmos em vias laterais de cristianismos fáceis e sob medida.

Vamos, caros diáconos em breve, a esta missão, que é da Igreja. Temos muito a fazer. Mas façamos tudo em clara e permanente comunhão. Se a Igreja se mostra dividida, ela não nasceu assim nem deve se vangloriar de ser assim. O coração de Jesus a desejou una e santa, com Ele e o Pai, para que o mundo cresse. Igreja sinodal é Igreja profundamente marcada pela comunhão, pela participação, pela missão vivida na colegialidade, construídas numa permanente atitude de diálogo, obediência e fidelidade a Cristo, ao Evangelho, ao Reino, à Igreja.

Que Teresinha do Menino Jesus que tanto apreço tinha pelos ministros da Igreja e tanto rezou por nós e nossa conversão nos ajude a fazer os discernimentos que este tempo exige. E que o bom, amado e soberano Deus, pela intercessão de Nossa Senhora Aparecida, rainha e padroeira da Terra de Santa Cruz, nos conduza no exercício do voto e na manutenção da democracia brasileira, sem a qual mergulharemos em totalitarismos e ditaturas nefastas e desumanizadoras.

Amém.

Dom José Carlos Campos, Bispo de Divinópolis.

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