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Homilia para a Missa Crismal

O Espírito do Senhor me consagrou com a unção, diz Jesus na sinagoga de Nazaré, realizando em si a profecia de Isaías. Por causa de Jesus, somos uma comunidade de ungidos e podemos dizer: o Espírito do Senhor foi derramado sobre nós, nos ungiu, nos consagrou e nos enviou, no Batismo, na Confirmação, na ordenação sacerdotal, na ordenação episcopal. Somos uma comunidade de batizados, de ungidos e de enviados.

Neste ano do laicato, rendemos graças a Deus pela imensa e intensa presença de homens e mulheres, portadores da unção e do Espírito de Deus, que atuam dentro de nossas comunidades de fé, nos muitos movimentos, serviços, pastorais e novas comunidades, e avançam para uma presença luminosa e fermentadora no coração das realidades e ambientes que estes leigos e leigas frequentam regularmente no mundo do trabalho, do lazer, da cultura, das mídias, da política, das micro-relações, das virtualidades… Nossa Igreja Particular está prestes a iniciar seu jubileu de diamante de instalação, a ser celebrado em maio de 2019, e que terá sua abertura no próximo 22 de julho, e nesta história sexagenária não podemos deixar de reconhecer e agradecer a Deus pela fecunda, criativa e multiforme presença dos leigos e leigas. Nas comunidades rurais e urbanas, na vida interna da Igreja e no testemunho missionário e profético neste nosso espaço social e cultural, temos belos exemplos de gente que viveu e vive, serviu e serve e morreu e continua dando a vida pelos valores do Evangelho e do Reino. Gente de todas as idades, de todas as condições sociais, de todos os estados de vida… Obrigado, irmãos leigos e leigas, pelo amor devotado à Igreja. Que este amor seja sempre dialogal, sincero, construtor de pontes de unidade, capaz de dar testemunho verdadeiro. Muitos de vocês são exemplos para nós, seus pastores e ministros de Deus.

Aos irmãos sacerdotes, do clero diocesano e de outros cleros e religiosos aqui presentes, nossa gratidão pela unção recebida e transformada em serviço e compaixão na direção dos pobres e humildes que estão entre nós e de todos quantos precisam de nosso cuidado pastoral. Obrigado pelo tempo e pela fadiga dedicada a curar as feridas das vidas humanas, obrigado por serem dispensadores generosos e incansáveis da graça do Senhor. Obrigado por consolarem os que choram, os que sofrem, os prisioneiros de muitas prisões. Recordo-lhes e lhes repito as palavras do Profeta: Vós sois os sacerdotes do Senhor, chamados ministros de Deus. Ele os recompensará por suas obras segundo a verdade…

Vivemos, queridos sacerdotes, tempos difíceis e desafiadores, tempos de muitos olhares sobre nós, nossa vida, nosso comportamento, nosso jeito de ser sacerdotes. Muitos olhares, de dentro e de fora. Ambos nem sempre muito compassivos. Mas, nossa gente tem o direito de nos olhar e o dever de nos acompanhar nas estradas do mundo rumo ao céu. Caminhamos na estrada de Jesus, rezamos na 5ª prece eucarística. Somos os pastores que Deus chamou, ungiu, consagrou e enviou para conduzir, formar, santificar o seu povo sacerdotal e santo. Por isso, olharão sempre para nós, como a ovelha olha seu pastor. Olham para nós como se olhassem para Jesus, para segui-lo atrás de nós. Nossa missão é levar a Jesus. Nossa fé exige olhar para Jesus! Assim prenunciara o profeta Zacarias, “olharão para mim, ao que eles feriram de morte” (Zc 12,10); ou ainda o próprio Jesus: “Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Atrairei todos os olhares e todos os corações, diria Jesus. Mirando-nos, os olhares humanos, às vezes, nos encontrarão no meio, outras vezes, à frente, outras vezes, atrás do rebanho, mas seremos sempre uma referência. Olharão na nossa direção. E esperam ver, ouvir e seguir Jesus. Esta é nossa missão. Somos sentinelas, guardiães, pastores de corações humanos sedentos de Deus. Não teremos o que temer se formos pastores segundo o coração de Deus. Nunca perfeitos, mas seriamente comprometidos com a perfeição, pois cuidamos de um rebanho que não é nosso. Com São Basílio Magno, aprendemos que “para atingir a perfeição, é necessário imitar a Cristo”, e não só nos bons exemplos de sua vida, mas também imitá-lo em sua morte, em sua doação que gera vida.

Por tudo isso, irmãos presbíteros, cuidemos de nós. Cuidemos uns dos outros. Cuidemos de nossa imagem, do nosso nome, do nosso ministério sagrado. Precisamos encontrar formas de estar mais unidos, mais comprometidos uns com outros. Precisamos encontrar mais formas de presença e de convívio do que formas de virtualidades à distância. Precisamos de um cuidado que comece de cima, da iniciativa do bispo, e estou disposto a fazer minha parte. Ajudem-me a construir este cuidado. E precisamos de um cuidado que circule entre vocês: um zelando pela vida, pela integridade, pelo bem, pelo nome, pelo ministério, pelo ofício do outro. Não nos deixemos vencer pela indiferença, pelo isolamento, pela inveja, pelo descuido, pela competição. A obra que receberão de presente ao final desta celebração seja um estímulo à nossa Pastoral Presbiteral, tão necessária e de gestação tão difícil. Vamos cuidar uns dos outros: eu de vocês, vocês de mim, nós uns dos outros e todos de todos. A cultura do cuidado e do zelo haverá de evitar muitos desastres e perdas, e haverá de antecipar atitudes que evitarão males maiores à nossa Igreja e ao nosso ministério sacerdotal. Sozinhos é mais difícil ser padre. Na comunhão, superamos e vencemos nossas fraquezas e limitações, partilhamos nossas necessidades, frustrações e desânimos, aprendemos uns com os outros, alimentamo-nos do testemunho que cada um pode dar para o bem dos outros. Que Deus nos ajude a dar passos nesta direção. O passo está lento. Faltam ideias, iniciativas, vontades.

Somos uma Igreja de ungidos! E somos uma Igreja imersa num mistério de amor: O Verbo de Deus toma nossa carne para viver nossa vida e morrer nossa morte, o que Deus não poderia fazer na sua natureza própria. Neste segundo ponto, quero convidá-los, presbíteros, religiosos e leigos, a recolocar sempre de novo ao centro da nossa fé, da nossa Igreja e da nossa missão, como leigos, consagrados e ordenados, a pessoa de Jesus Cristo, “aquele que é, que era e que vem, o Todo-poderoso”. Fomos preparados por uma longa quaresma, que termina nesta tarde, antes da Ceia do Senhor. Fomos preparados pela conversão para celebrar o tríduo pascal do Senhor e viver com Ele os mistérios que plenificam sua encarnação e dão sentido à nossa fé e nossa religião. Jesus Cristo é o centro, o foco, o agente, o protagonista dos eventos da ceia, da paixão e da páscoa nova. Ele é, como lembrou-nos hoje o fragmento do Apocalipse, a testemunha fiel, o primogênito dentre os mortos, o amante e libertador da pessoa humana, o transpassado por amor de nós, o Vivente e o Vencedor, o Primeiro e o Último. Ele é nossa Páscoa e nossa Paz. Nossa pregação é Ele. Ele é o Evangelho. Ele é o Reino. É Ele quem preside todas as nossas páscoas, nossas passagens, nossas transformações: as pessoais e as do mundo!

Digo isso, irmãos e irmãs, para recuperar a cada tempo de nossa Igreja a centralidade do querigma, a necessidade da mistagogia e do mistério, a experiência espiritual profunda e sadia, a fé cristocêntica e trinitária. Nossa pregação não pode esquecer, ofuscar ou manipular Jesus Cristo. Ele é o alvo, o consumador da nossa fé. Se tivermos de falar da história, da sociedade, da política, das eleições, dos sistemas econômicos, dos governos, da própria Igreja, precisamos ter sempre presente, como pano de fundo e como luz do cenário, da reflexão e da crítica, a pessoa de Jesus, seu Evangelho, seu Reino. Senão seremos pregadores de ideologias intramundanas e imanentes, históricas e humanistas. Não basta um humanismo bom ou uma filantropia amistosa entre nós. O humanismo pode ser ateu. O Cardeal francês Henry de Lubac, no coração do século XX, apresentara a crise e o drama de um humanismo ateu. Sem transcendência, nossas boas obras se perdem, nossa moral torna-se política de amizade e de interesses. O Cristianismo é muito mais que um humanismo, é muito mais que um jeito bom de viver. É uma via de salvação do homem todo e de todo homem!

Na Carta da Congregação para a Doutrina da Fé, datada de 22 de fevereiro de 2018, chamada Placuit Deo, que trata sobre alguns aspectos da salvação cristã, somos convidados a perceber e a superar dois erros que tocam o cotidiano das pessoas, também daquelas que creem: o neo-pelagianismo e o neo-gnosticismo. O neo-pelagianismo faz o homem pensar-se como radicalmente autônomo, capaz de salvar-se a si mesmo sem reconhecer que ele depende, no mais profundo do seu ser, de Deus e dos outros. Ninguém se salva. Somos salvos. Salvos por Jesus, cujo mistério pascal lança luz sobre nossa vida, nossa morte, nossa salvação. A salvação não está confiada às forças do indivíduo ou a estruturas meramente humanas. Por outro lado, o neo-gnosticismo propõe uma salvação meramente interior, fechada no subjetivismo. Pretende libertar a pessoa do corpo e do mundo material, que são negativos e objetivamente maus. Os irmãos padres, religiosos, seminaristas e os mais dados ao estudo sabem discorrer sobre estas duas tendências atuais e seus riscos.

Precisamos, irmãos e irmãs, repropor Jesus Cristo, precisamos refontalizar nossa fé nele, recomeçar sempre dele. A salvação vem dele. A salvação é Ele. Levemos nossa gente, com quem viveremos o tríduo pascal, ao Senhor que sofreu a paixão, morreu e ressuscitou. Façamos todas as coisas por Ele e por causa. Anunciemos Jesus e seu mistério. Critiquemos e convertamos a nós, à Igreja e ao mundo pensando em Jesus, no Evangelho, no Reino. Não cedamos e não sejamos arautos de discursos ideológicos de caráter meramente imanente, a humanismos sem Deus, a uma convivência que seja resultado de acordos, de leis, de penalidades. Somos uma comunidade de ungidos, pertencemos a Deus, somos descendentes abençoados por Deus, somos sacerdotes e ministros de Deus, que fez conosco uma aliança perpétua. Vamos dar transcendência ao mundo. Vamos apontar para o alto. Sursum corda! Corações ao alto! Vamos trabalhar e nos cansar para que seja feita a vontade de Deus na terra e em cada um de nós como é feita no céu. Rezamos, pedimos e desejamos isso na oração de Jesus.

Que a Virgem do Cenáculo, do Calvário e da Páscoa mantenha nosso olhar firme na direção de Jesus, seu Filho e Salvador dela e nosso, e nos ajude a aprender dele todas as coisas e a fazer tudo que Ele nos recomendou, até que Ele volte. Amém.

 

 

Divinópolis, Catedral do Divino Espírito Santo, em 29 de março de 2018

Dom José Carlos de Souza Campos
Bispo de Divinópolis – MG

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