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Homilia de Dom José Carlos para a Ordenação Presbiteral do Diácono Adelmo Nascimento dos Reis

HOMILIA PARA A ORDENAÇÃO PRESBITERAL DO DIÁCONO ADELMO NASCIMENTO DOS REIS

É chegada a tua hora, Adelmo! Não antes. Não depois. Deus quis esta hora hoje. Na solenidade da Imaculada Conceição, padroeira de nossa Igreja Diocesana, aqui na tua bucólica São José da Varginha, neste lugar que nos remete a um sacerdote que fez história entre nós, e talvez uma das poucas histórias que serão apresentadas ao mundo como história virtuosa e santa, nosso querido Pe. Libério Rodrigues Moreira, que desejamos ver reconhecido como santo e modelo para toda a Igreja. Pois santo para nós ele já é!

Celebramos hoje a Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Este é o terceiro dogma mariano, por ordem cronológica, na evolução teológica do depósito da fé cristã católica, acerca da compreensão da vida e da missão da Virgem Maria na história da salvação e no mistério de Cristo e da Igreja. Maria, na tradição espiritual e teológica da Igreja, será sempre imagem e modelo da Igreja. A tal ponto se chega nesta relação que pensar Maria é pensar a Igreja. Dizer algo sobre uma é dizer sobre a outra. Contemplar a beleza de Maria é contemplar a beleza, a vocação e a identidade da Igreja, esposa de Cristo. No prefácio desta celebração, rezaremos: “Em Maria, ó Pai, nos destes as primícias da Igreja, esposa de Cristo, sem ruga e sem mancha, resplandecente de beleza”. O Concílio Vaticano II, no capítulo VIII da constituição dogmática sobre a Igreja (Lumen Gentium), fala de Maria: “[ela] é saudada como membro supereminente e absolutamente singular da Igreja, como seu perfeitíssimo tipo e modelo na fé e na caridade. E a Igreja católica, instruída pelo Espírito Santo […], a venera como Mãe amantíssima. […] aquela que, na Igreja, ocupa o mais alto lugar depois de Cristo e o mais próximo a nós” (cf. nº 53 e 54).

Para evitar qualquer desvio ou idolatria, Santo Agostinho nos ajuda a entender a presença de Maria na Igreja. Diz o santo teólogo: “Santa Maria, feliz Maria! Contudo, a Igreja é maior que a Virgem Maria. Por quê? Porque Maria é porção da Igreja, membro santo, membro excelente, membro supereminente, mas membro do Corpo total. Se ela pertence ao Corpo total, logo é maior o Corpo que o membro. A cabeça é o Senhor. O Cristo total é a Cabeça e o Corpo. Que direi? Temos cabeça divina, temos Deus por cabeça!”, conclui Agostinho (ofício das leituras da apresentação de Nossa Senhora).

Na evolução dos dogmas marianos, sempre iluminadores do mistério e da vocação da Igreja, contemplamos e cremos em Maria como Mãe verdadeira de Deus verdadeiro; como Virgem pura antes, durante e depois do parto; como concebida sem pecado, imaculada; e como assunta ao céu em corpo e alma, depois do fim de sua existência na terra. Isso lido em chave de compreensão da Igreja nos permite pensar e olhar a Igreja como aquela que gera, como Mãe e Mestra, o Senhor Jesus nos corações crentes, que o acolhem e se deixam formatar pela fé nele. Podemos crer na Igreja como Virgem pura, que não é e não serve a nenhum outro senão Deus, como a virgem que não se deu e não pertence a ninguém senão àquele que a criou. Podemos crer na Igreja santa e sem mancha, pois o Justo e Santo Jesus, divino esposo, pagou pelo seu amor e seu sangue, o preço desta santidade. Cremos na Igreja santa, rezamos no credo. Nosso pecado é lavado, é provisório, é passageiro, é passível de conversão até que apareça tão somente a santidade da Igreja, Corpo místico de Cristo, que se banha cotidianamente nas águas da misericórdia santificante do seu Bem-amado Senhor. Nosso destino é o céu, é a plenitude da vida e do ser, corpo e alma transfigurados depois da grande tribulação. Isso é já posto como dom e privilégio antecipado em Maria, mas garantia e certeza para todo o gênero humano, começando pelo Corpo da Igreja, na qual cada discípulo crê, segue e se deixa salvar por Cristo, Filho Santo de Deus e fonte de santidade, filho bendito da Virgem concebida sem pecado. Mãe bendita do fruto bendito! “A fim de preparar para o vosso Filho, Mãe que fosse digna dele, preservastes a Virgem Maria da mancha do pecado original, enriquecendo-a com a plenitude da vossa graça” (prefácio desta solenidade).

As leituras proclamadas e ouvidas nesta liturgia sinalizam Maria e a Igreja. A primeira Eva pecou e se escondeu, deixou transparecer sua vergonhosa nudez, cedeu à serpente enganadora, não aceitou os limites de Deus, tornou-se mãe da humanidade pecadora (primeira leitura). A segunda Eva, Maria, mostrou-se capaz de virgindade espiritual fiel, não cedeu a nenhum outro, fez-se digna, mostrou-se cheia de graça, íntima de Deus, digna da sombra do Altíssimo, portadora do Espírito fecundo de Deus, capaz de dar carne humana e verdadeira ao Santo, Filho do Deus Altíssimo, seduzida pelo seu Senhor e Deus, serva do Senhor, mulher habitada e formatada pela palavra de Deus (evangelho).

Maria é imagem luminosa e modelo seguro da Igreja e do discípulo. Eva é modelo decadente e fracassado do discípulo que escolheu a infidelidade e a recusa de Deus, escolheu a serpente que vencera na árvore do paraíso, e não o Amor Crucificado que vencera na árvore do Calvário. A beleza perdida em Eva foi, em Maria, de certo modo, ressuscitada e dotada de uma graça nova e inefável, como ensinava Santo Anselmo (séc. XII). Por isso, a Igreja-Mãe nos põe na escola da Mãe-Maria, nos aponta o ideal discipular desta Mulher-Discípula, congrega-nos como comunidade santa que escuta seu Senhor, forma-nos pela Palavra bendita que dá sentido e beleza a nossa vida, forja-nos pela nossa liberdade dócil como servos, amigos e filhos adotados por Deus, que nos criou para Ele, em Cristo, o Filho único. Deixando falar ainda Santo Anselmo: “Deus que tudo fez, formou-se a si próprio no seio de Maria. E deste modo refez tudo o que tinha feito. Ele que pode fazer tudo do nada, não quis refazer sem Maria o que fora profanado. […] Deus gerou aquele por quem tudo foi feito, e Maria deu à luz aquele por quem tudo foi salvo”. Este mistério, Paulo nos recorda no texto de hoje: “Em Cristo, o Pai [nos abençoou] nos escolheu, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis sob seu olhar, no amor. O Pai nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por intermédio de Jesus Cristo. […] Nele também nós recebemos a nossa parte” (segunda leitura).

Caro Adelmo, tudo dito até aqui não está paralelo ou alheio ao que se realiza em tua vida hoje. Tua consagração sacerdotal te liga a Cristo, a Maria, à Igreja. O sim fiel e exemplar de Maria ecoa no tempo e captura e usufrui do teu sim para continuar expandindo-se na história da salvação do mundo. “Eis aqui a serva, o servo do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra”. Só serás verdadeiro sacerdote se tua vida, teu ministério, tua consagração significar e expressar uma fidelidade fecunda e criativa a Deus e à sua vontade. Cuida de fugir das serpentes que quererão roubar-te e envergonhar-te diante de Deus. Cuida de obedecer a Deus e não aos homens, que, mesmo sem ter a forma de serpente, quererão mostrar-te modos alternativos e fáceis de viver o sacerdócio.

Apega-te tão somente a Cristo! Mantém teu amor filial a Maria! Apressa-te em estar sempre mais unido à Igreja. O sacerdócio não é teu por direito ou usurpação. Todo filho necessita de uma mãe que lhe seja mestra, pedagoga e exemplo. Sem comunhão com a Igreja te tornas presa fácil e aliado da serpente que engana e divide. Sê santo! “A idade adulta do batizado é a santidade”, ensina São Gregório de Nissa (séc. IV). E mais ainda e o quanto antes, a santidade é expressão de maturidade espiritual do ministro ordenado e do consagrado.

Como não há santidade e vitória sobre o pecado sem o auxílio eficaz da graça santificante, cuja fonte são, sobretudo, os sacramentos, então sê incansável na missão de oferecer aos teus irmãos esta fonte perene e límpida: acolhe as crianças e adultos ao santo Batismo, e não o negues a ninguém; serve a mesa da misericórdia de Deus aos pecadores que se recusam a escutar a serpente; põe a mesa da Eucaristia aos famintos de Deus que querem come-la para fazer progressos na direção do alto; conforta aqueles cujas fragilidades corporais colocam a vida em risco e fazem perder as esperanças; une os corações pelo vínculo sagrado do amor que sinaliza o amor de Cristo pela sua Igreja-Esposa; unge as mentes e os corações para o discipulado maduro e testemunhal do Cristo; cria comunhão sempre maior com teus irmãos presbíteros e diáconos em plena e permanente colaboração com a ordem episcopal, à qual deves obediência e respeito. Sê santo no teu modo de ser sacerdote, porque teu exemplo vai converter e arrastar outros contigo. “O homem contemporâneo escuta com mais boa vontade as testemunhas do que os mestres… ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas”, ensinava São Paulo VI (EN 41). Nosso santo Pe. Libério ensinou e converteu mais com as letras vivas do seu ministério simples e despojado do que com os livros e discursos que ele não escreveu.

A Igreja é santa, assim como Maria o é e sinaliza aos demais membros do corpo todo. A cabeça da Igreja é o Santo e Justo Jesus. O corpo da Igreja, que somos nós, está em vias de conversão até que alcance sua natureza e essência mais genuínas que é a santidade perfeita. Membro a membro. Um a um. O nosso pecado é um estado de fragilidade que a graça pode curar, até curar o corpo inteiro. Cada membro! Maria é membro santo por excelência! Pe. Libério é membro reconhecidamente santo por nós! Quantos santos estão à nossa porta, como lembra o Papa Francisco. Pouco a pouco vamos tirando o ofuscamento do pecado de Eva em nós e vamos dando visibilidade à imagem e à semelhança do Verbo de Deus, que foram impressas em nós desde a fundação do mundo para sermos santos.

Deus te chamou para ser sacerdote, Adelmo, e te deu a esta Igreja como fruto primoroso no início deste terceiro ano vocacional brasileiro. Ser sacerdote não é o mais importante nem o tudo necessário a ti. Nem ser bispo a mim, nem ser diácono, nem estar na Igreja, nem ser batizado, nem simplesmente ter vida sacramental preceitual… O mais importante é que o meu, o teu, o estado de vida e a vocação de cada um seja um itinerário de santidade pela via da conversão e da conformação a Cristo. Se não formos santos, de nada adiantará termos sido ou feito isso ou aquilo. Como ensina Jesus, muitos ficarão de fora naquele dia dizendo: “Senhor, nós profetizamos em teu nome, expulsamos demônios em teu nome, fizemos muitos milagres no teu nome… Eu lhes declaro: Jamais vos conheci. Afastai-vos de mim…” (cf. Mt 7,22-23).

Que ser padre seja o jeito mais curto, mais próprio e mais útil de te fazeres santo, mesmo que não seja o mais fácil. Sê como Maria e não como Eva. Escuta Deus, guarda em ti e gera a Palavra de Deus, que é Jesus, no coração das pessoas. Sê servo desta Palavra. Oferece tua liberdade a ela. Que esta Palavra forme o teu ser homem, teu ser cristão, teu ser padre. Citando São Bernardo: “Guarda, pois, a Palavra de Deus, porque são felizes os que a guardam; guarda-a de tal modo que ela entre no mais íntimo de tua alma e penetre em todos os teus sentimentos e costumes. […] Se assim guardares a Palavra de Deus, certamente ela te guardará”.

Que o Servo de Deus Padre Libério, o bom e santo José e a Mãe Imaculada te guardem em santidade para cuidares das coisas santas de Deus e do Povo santo do Senhor, que te serão confiados ao longo de tua vida sacerdotal. Amém.

São José da Varginha, 08 de dezembro de 2022, solenidade da Imaculada Conceição

Dom José Carlos de Souza Campos / Bispo Diocesano de Divinópolis-MG

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