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Homilia de Dom José Carlos para a Ordenação Presbiteral de Frei Agmar Roberto Ferreira, OFM

“O Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça”. (Lc 9,8)

Primeira leitura (Primeiro livro dos Reis): sucessão de Elias, o profeta que inaugura a longa e bela tradição profética de Israel, profeta que grita contra a idolatria, a injustiça social e a infidelidade religiosa (Eliseu será profeta em teu lugar, continuará a missão profética), chamamento e unção de Eliseu (Elias lançou seu manto sobre Eliseu), despedida da família e festa pelo chamado, seguimento e missão. Hoje tu te tornas mais plenamente sucessor e continuador de teu Pai Francisco, és chamado e ungido para o ministério sacerdotal na vida religiosa, selas uma ruptura maior com tua família de sangue, fazes festa por poderes seguir a Cristo e a Francisco com maior radicalidade e maior disposição missionária.

Segunda leitura (Gálatas): somos chamados à liberdade que Cristo nos conquistou e para a qual nos libertou. Chamados a viver sem escravidões de nenhuma espécie: nem humanas, nem espirituais, nem materiais, nem afetivas. Só vale uma escravidão: fazer-nos escravos uns dos outros pela caridade. Proceder segundo o Espírito, ser conduzido pelo Espírito é o caminho da tua conversão e da tua perfeição humana, cristã e franciscana. Ou o espírito ou a carne (linguagem paulina), ou o primeiro Adão ou o segundo, Cristo. Ou o homem velho ou o homem novo. Ou o homem terrestre ou o homem celeste. A tua opção de vida será exemplo e testemunho para teus irmãos no caminho. Tu serás, querendo ou não, um espelho. Se não queres ser espelho, não avances. Não és tu que escolhes ser espelho ou não. Tua vocação franciscana e teu ministério presbiteral te tornam assim. Se não queres ser espelho de testemunho e de exemplo de vida, não avances por favor.

Evangelho (Lucas 9,51-62): “Como estava chegando o tempo de Jesus ir para o céu, ele tomou a decisão de ir para Jerusalém”. Este versículo é divisor de rumo no ministério de Jesus no Evangelho de Lucas. Há um antes e um depois desta decisão. Serão 10 capítulos de caminho até a entrada em Jerusalém, lugar de sua paixão, morte e ressurreição. Decisão de ir: Jesus tomou o caminho da plenitude do seu mistério, de sua vida, de sua missão. Tu também tomas o caminho do teu mistério segundo o chamamento que Deus te fez. Neste caminho e neste mistério, haverá resistentes e resistências (dentro e fora de tua comunidade religiosa, eclesial e social). Não deves nem podes mata-los ou eliminá-los. Apenas vai adiante, segue o teu caminho como Jesus. O inimigo ou o opositor não tem que ser eliminado, apenas deixado para trás. Entende e aceita que Jesus e teu Pai Francisco te chamam para não ter nada, nem repouso para a cabeça; nem afetos humanos escravizantes e secundários; nem indecisões que não te deixam avançar. Tu vais precisar tão somente de uma liberdade verdadeiramente crística, que não te prenda a nada nem a ninguém, senão a Deus que preside e reivindica o mistério de tua vida.

Agora, uma pergunta atrevida, mas oportuna: o que se espera de um franciscano nestes tempos de idolatrias, injustiças e infidelidades de toda ordem, de grave aumento e exclusão dos pobres e de uma cultura do bem estar individual, materialista e terreno? Apresento três perfis, podendo ser outros.

  1. Ser verdadeiramente pobre:

Fazer um voto de pobreza e ser pobre por causa do Evangelho é mais que ter pouco ou nada, é mais que viver no despojamento e na simplicidade. Ser pobre é possuir uma única riqueza e um único bem, uma herança e um refúgio seguro: Deus. “Nenhum bem posso achar fora de vós… sois minha herança…”. Pobreza evangélica não é mera privação. Pobreza evangélica é opção sensata quando é opção, primeiro, por Deus, pelo seu reino, seu modo de organizar o mundo. Quem tem Deus e tão somente Deus, relativiza o resto, dispõe do muito ou do pouco para apostar, a partir de Deus, e não por outro motivo, num mundo sem fome, sem necessitados do essencial, sem privações que apressam a morte. O pobre não tem medo do pouco nem se apega diante do muito. Ele tem Deus e, pela fé nele, considera passageiras e utilitárias todas as coisas materiais. Usa dos bens terrenos sem perder os bens eternos. “Tenho sempre o Senhor ante meus olhos. Não vacilo se o tenho comigo”. O pobre sabe que tem Deus e que Deus o tem e o guarda. É preciso que sejas pobre, por livre e soberana decisão tua, pela liberdade verdadeira de quem está com Cristo. Ser pobre e amigo dos pobres, como Carlos de Foucauld, canonizado há pouco; como teu Pai Francisco, de quem tiras a medida para uma pobreza exemplar. Ser pobre como Jesus e como ele viveu e recomendou. Neste lugar de pobreza, a primazia é sempre da vida e não dos bens; a primazia é sempre de Deus e não das coisas deste mundo.

  1. Fazer e viver a evangélica opção preferencial pelos pobres:

Papa Francisco: “Não devem subsistir dúvidas nem explicações que debilitem a mensagem claríssima [do Evangelho]. Hoje e sempre, ‘os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho’… Há que afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Não os deixemos jamais sozinhos!” (EG 48).

“A pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual. […] A opção preferencial pelos pobres deve traduzir-se principalmente numa solicitude religiosa privilegiada e prioritária” (EG 200).

  1. Apontar aos irmãos o caminho da bem-aventurança da pobreza de espírito:

Ser pobre de espírito (ou no espírito), conforme a primeira bem-aventurança de Mateus, é caminho de santidade e de perfeição de vida. É itinerário para ser beato, ser santo, ser bem-aventurado. Quem enxergar esta bem-aventurança vivida com exemplaridade e alegria na história de alguém – e tua vida religiosa e sacerdotal pode ser um exemplo – este vai ser estimulado a percorrer também este mesmo caminho espiritual de conversão rumo à pobreza evangélica. Como lembra Papa Francisco na exortação apostólica Gaudete et exsultate, sobre o chamado à santidade no mundo atual: “Cada santo é uma missão; é um projeto do Pai que visa refletir e encarnar […] um aspecto do Evangelho” (GeE 19). E ainda o Papa: “Esta pobreza de espírito está intimamente ligada ‘à santa indiferença’ proposta por Santo Inácio de Loyola, na qual alcançamos uma estupenda liberdade interior [ou liberdade verdadeira como ensina Paulo]: ‘é necessário tornar-nos indiferentes face a todas as coisas criadas […], de tal modo que, por nós mesmos, não queiramos mais a saúde que a doença, mais a riqueza que a pobreza, mais a honra que a desonra, mais uma vida longa do que curta, e assim todo o resto” (GeE 69). Precisamos de mestres e de testemunhas destas palavras e desta bem-aventurança. Mestres que ensinam e testemunhas que vivam assim. E mais testemunhas que mestres. Eis um caminho que podes viver e apontar: o caminho da pobreza de espírito. A Igreja toda precisa ser assim. Uma Igreja pobre e para os pobres. Este é um fragmento do Evangelho que, vivido por ti em medida exemplar, poderá estimular outros a esta mesma pobreza de espírito, fonte de liberdade verdadeira e de santidade comprovada.

Que os santos deste dia, Roque González, Afonso Rodríguez e João del Castillo, religiosos, presbíteros e mártires te ajudem a encontrar em Cristo de Francisco e em Francisco de Cristo o sentido para tua vida, tua missão, teu mistério e tua morte. Que os santos e santas franciscanos te sejam favoráveis intercessores e modelos. Amém.

 

Santuário Santo Antônio/Divinópolis, 19 de novembro de 2022

Dom José Carlos de Souza Campos | Bispo Diocesano de Divinópolis-MG

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