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Homilia de Dom José Carlos para a Ordenação Diaconal de Adelmo dos Reis, Guilherme Henrique, Luís Fernando e Maurílio Aguiar

Eis-me aqui! Envia-me!

 

No início de um caminho sinodal, rumo a uma Igreja que seja essencialmente comunhão, participação e missão; no coração do mês missionário, quando novamente e sempre recomeçamos todos a partir de Jesus Cristo, proclamando o que vimos e ouvimos acerca dele, nossa Igreja diocesana se alegra pelo dom divino do chamamento e da ordenação de quatro irmãos para o Ordem dos diáconos.

 

Jesus Cristo é missão, é medida, é meta. A missão é Ele. Ele é o “conteúdo” da missão. Evangelizar é anunciar explicitamente Jesus Cristo: seu nome, sua palavra, seu reino, seu mistério, sua salvação. Ele é a medida: para anuncia-lo fazemos o que Ele fez e como Ele fez, aprendemos dele o método. E o método ou a pedagogia é a proximidade, a escuta, o diálogo, a proposta que atrai e converte ao seu Reino e ao seu Pai. Ele é a meta: queremos alcança-lo, vê-lo como Ele é, estar com Ele, tomar parte na plenitude do seu Reinado. Almejamos o dia de sua vinda como ponto culminante e definitivo da história e de toda esperança cristã.

 

A Ordem dos diáconos estabelece irmãos que, pela imposição das mãos e a prece de ordenação, são configurados a Cristo servidor. O diácono assume pouco a pouco, no movimento da sua conversão cotidiana e permanente, a estatura daquele que não veio para ser servido, mas para servir e dar a própria vida para resgatar outras vidas que buscam o sentido e o horizonte que Cristo lhes pode dar. Mas, para isso é preciso que estas vidas cheguem a Cristo, sejam atraídas a Ele, sejam cuidadas por aqueles que encarnam sacramentalmente a presença do Cristo Servo. “Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo!”, ensina o Papa Francisco (EG 49).

 

Estes quatro irmãos e sua vocação diaconal dão concretude e visibilidade à dimensão evangélica e missionária do cuidado da vida, de toda forma de vida, da vida humana e da vida natural, ambas sob a sombra do abandono, do abuso, da banalização, da destruição e da morte. A diaconia é ministério gerador de vida, vida digna no mundo e vida santificada na graça. Como amigos e servidores de todos, sobretudo dos pequenos, pobres, vulneráveis, os diáconos são arautos e pregadores do Evangelho da vida, da justiça, da dignidade humana. Este Evangelho, anunciado e acolhido, dá amplitude ao Reino e exorciza os demônios que potencializam a indiferença, que criam parcerias com toda sorte de mal e que antecipam a morte das pessoas e da natureza. O cuidado misericordioso dos pobres, o anúncio profético da Palavra de Deus e o serviço da mesa do Pão da Vida devem ser marcas que identificam o diaconato verdadeiro e fiel às suas genuínas origens bíblicas e à sua renovada configuração atual.

 

Não queremos e não precisamos de diáconos que sejam tão somente membros ou adornos de assembleias litúrgicas ou distribuidores de sacramentos, mas de diáconos que recordem a toda a Igreja e cada um dos irmãos, nos diversos estados de vida e missão, começando pelo bispo, que não podemos negligenciar os pobres no cuidado pastoral, espiritual e evangelizador. Eles merecem atenção e solicitude religiosa privilegiada, prioritária e preferencial (cf. EG 200). Ensina o Papa Francisco: “Hoje e sempre, os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho, e a evangelização dirigida gratuitamente a eles é sinal do Reino que Jesus veio trazer. Há de se afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Não os deixemos jamais sozinhos!” (EG 48). Os sete primeiros diáconos foram instituídos para cuidar da mesa, do pão, da vida das viúvas, órfãos e pobres. Isso dá ao diaconato sua identidade mais própria e mais antiga.

 

Também não queremos diáconos que maquiam, enfraquecem ou empobrecem a Palavra de Deus, mas que a anunciem com coragem profética, convicção e criatividade, de forma a aquecer o coração dos ouvintes. Num mercado religioso e cultural de palavras vazias, sem alma, sem consistência, a Palavra de Deus, na boca, na pregação e no testemunho dos diáconos, deve ser palavra geradora e doadora de vida, de sentido, de norte, de esperanças que não morrem. As palavras que circulam na presencialidade e na virtualidade da vida cotidiana precisam beber na fonte da Palavra viva, eficaz e penetrante, que brota da boca de Cristo, que, na palavra de Santo Inácio de Antioquia, é a boca verdadeira pela qual o Pai verdadeiramente falou. Chega de palavras sem vida, sem graça, sem conteúdo, sem futuro, sem transcendência, sem salvação. A Palavra primeira e verdadeira se fez carne para dar vida ao mundo. O mundo não terá e não conhecerá a verdade e a vida se não se puser no caminho que é Cristo. Os diáconos são portadores, arautos e sacramentos desta Palavra que é Cristo.

 

Por fim, não queremos diáconos que divorciam o altar da vida. A serviço do altar e do mistério, os diáconos indicam o vínculo necessário e inseparável entre a fé celebrada e a fé testemunhada, entre os sacramentos e a vida, entre a fé e a história. Nossa vida sacramental deve qualificar nossa presença missionária no mundo. Fazemo-nos de Cristo, alimentamo-nos dele, unimo-nos a Ele para que, com a força que vem desta comunhão mística com Ele, possamos todos tomar o caminho do Reino, que pedimos venha a nós. Não queremos este mundo, com suas contradições, idolatrias, ateísmos, mas queremos o Reino anunciado por Jesus para este mundo, que deve ser casa de Deus conosco, casa de irmãos, casa de vida. A fé celebrada e vivida precisa tornar-nos sal, fermento, luz, testemunhas, discípulos missionários daquele que veio para que tivéssemos vida e vida plena, vida eterna, cujas raízes profundas já estão neste tempo cronológico do mundo.

 

Eis, caros Adelmo, Guilherme, Luís Fernando e Maurílio, os sonhos que sonhamos para vocês e seu ministério diaconal na nossa Igreja. E quando passar o tempo cronológico deste múnus diaconal, não se esqueçam de que o ministério ordenado é, por excelência, ministério do serviço, da diaconia do amor. “Quem quiser ser grande, seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos”. Podem começar a evangélica disputa para serem grandes e os primeiros! Ser servo, ser escravo, ser diácono é o caminho e a meta, mesmo que avancem para os outros graus do Sacramento da Ordem. Queremos vê-los grandes e primeirados no caminho indicado pelo Mestre.

 

Os textos bíblicos que escolheram para este dia bendito nos ajudam a mergulhar num itinerário missionário que tem Deus e seu Filho como protagonistas de um chamamento e nós, homens e mulheres, discípulos e discípulas missionários, como ousados peregrinos de um percurso onde o próprio Senhor, que nos manda ir, dá efeito misterioso ao que fazemos no nome dele e por causa dele. Não podemos deixar de falar, de anunciar, o que vimos e ouvimos de Jesus, pedra fundamental e fundante de nossa fé e nossa missão!

 

Três palavras podem nos conduzir num breve percurso na liturgia da Palavra desta celebração. São elas: QUEM, EU, IDE.

 

QUEM?: O Senhor, três vezes Santo, precisa de pecadores, que Ele elege, chama, purifica e envia. Santo é só Ele! “Só Deus é bom”, diz Jesus ao homem rico. Só Deus é santo e bom! Ele prepara nossa boca, nosso coração, nossa natureza fragilizada para sermos portadores de sua Palavra. A Palavra é santa e será sempre santa. A boca pecadora, tocada pela misericórdia e pela brasa retirada do altar, torna-se apta e hábil para ser meio indigno e, por si só, ineficaz da palavra que é viva, eficaz e penetrante (cf. Hb 4,12). O pecado não impede a missão. “Quem enviarei? Quem irá por nós?” Esta interrogação de Deus chegou aos seus corações, caros ordinandos. O caminho formativo, sob os cuidados dos formadores, diretores espirituais, confessores, professores, terapeutas de vocês, este caminho da formação inicial desejo tenha sido o “serafim com brasa incandescente” que Deus tenha utilizado para qualifica-los para a missão, ajudando-os a superar ou enfrentar as vulnerabilidades humanas que poderiam desqualificar o ministério ordenado que abraçam hoje com temor e tremor por chamamento do Santo e Misericordioso Deus. Que a formação permanente os ajude a progredir neste processo iniciado e nunca plenamente acabado em algum ponto do caminho.

 

EU: “Aqui estou eu! Envia-me” Um chamado e uma resposta. Eu quero, eu aceito, eu vou! “Eis que eu venho fazer, com prazer, vossa vontade, Senhor! … Não fechei os meus lábios… Proclamei toda a vossa justiça… Não calei vossa graça e verdade na presença da grande assembleia!”. Canta conosco e, particularmente, por vocês, caros ordinandos, o salmista. Eu! O chamado envolve a totalidade do ser. Não serão diáconos pela metade! O “eu” inteiro, completo, profundo de cada um será entregue à missão, à diaconia. Deus não os quer pela metade. Deus os quer integralmente para Ele e para a missão. Quem perder a vida por causa de Jesus vai ganha-la. Não retenham nada para si ou para outros particulares. Tudo o que é de vocês agora é dele. O “eu” não tem frações. É inteiro! Tem que ser inteiro. Não pode haver esquizofrenia vocacional.

 

IDE: Esta palavra de Jesus nos versículos finais do evangelho de Marcos coroa nossa meditação e esta celebração. Ide por toda parte e anunciai a todo vivente o nome de Jesus, seu evangelho e sua salvação. A todos! Temos de estar e devemos estar em todo lugar. Nenhum lugar nos contamina se estivermos lá para anunciar Jesus. Nenhum lugar é proibido se estivermos lá para anunciar Jesus e convidar à conversão. “Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado”. O condenado teve condições e possibilidade de crer, porque houve quem lhe anunciasse a salvação, mas escolheu não crer. Não ir é condenar aqueles que não creram porque não houve quem lhes falasse de Deus. Não podemos deixar de ir. A todo lugar, a todo lugar! Mesmo que alguns dos nossos achem que alguns lugares e grupos não mereçam o anúncio de salvação e o convite à conversão. Não escutem estes, mas escutem a Jesus que nos mandou ir: “Ide”. Os sinais de que estamos fazendo a coisa certa virão. O Senhor nos manda ir e vai conosco, dando efeito à nossa pregação e à nossa presença missionária. Ele assina sua obra com seus sinais. Creiam nisso! “O Senhor os ajudava e confirmava sua palavra por meio dos sinais que a acompanhavam”. São as últimas palavras do evangelho segundo Marcos. O Senhor Jesus autentica sua obra, confiada a homens e mulheres de lábios impuros, mas tocados pela potente misericórdia daquele que é Santo.

 

Que a Santíssima Virgem Maria os proteja, guarde e vele com solicitude materna pelo ministério diaconal que iniciam. Amparados pela diaconisa da Palavra que se fez carne, vivam como se não fossem ser mais nada senão diáconos da Igreja de Cristo. Eis a plenitude de suas vidas hoje. O que vier a mais será dom de Deus que Ele dará a quem e quando Ele quiser. Amém.

 

Dom José Carlos Campos | Bispo de Divinópolis-MG / 23 de outubro de 2021

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