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Homilia da Ordenação Diaconal do Irmão Márcio, SdP

Reverendíssimo Sr. Pe. Hélio Meira, Delegado da Congregação dos Servos dos Pobres no Brasil; queridos Padres Francisco, Ricardo e Anoar, pastores desta comunidade paroquial, em cujos nomes saúdo os demais sacerdotes, diocesanos e religiosos, de nossa e de outras dioceses; demais religiosos e religiosas, cujas presenças nos recordam o dever de rezar pela vida consagrada, neste ano dedicado especialmente a vocês; prezados seminaristas; irmãos e irmãs desta e de outras comunidades católicas ou não; querido Sr. Nilo, pai do ordinando, em cujo nome acolho e agradeço os demais familiares e amigos do Irmão Márcio.

Meu caro Irmão Márcio Ferreira, nossas vidas não se cruzaram antes, mas se cruzam, agora, neste momento decisivo e marcante da tua vida. Teu sim dito hoje nos recorda, a mim, a você e a toda a Igreja, algumas dimensões importantes do nosso seguimento a Jesus. Quero mencionar, brevemente, três aspectos da nossa experiência religiosa, cristã e católica, que não podem passar hoje despercebidos: a beleza da vida religiosa, a vocação diaconal e o amor aos pobres. A tua opção vocacional, tua ordenação diaconal e as leituras da Liturgia da Palavra deste dia favorecem um pensamento breve nestas três perspectivas.

A beleza da vida religiosa. Em 21 de novembro do ano passado, o Papa Francisco assinava a Carta Apostólica às Pessoas Consagradas, por ocasião do ano da vida consagrada, que teve início em 30 de novembro de 2014 e terminará em 02 de fevereiro de 2016, festa da apresentação do Senhor e jornada mundial de oração pela vida consagrada. Nesta carta, escreve o Papa: “Neste Ano, será oportuno que cada família carismática recorde os seus inícios e o seu desenvolvimento histórico, para agradecer a Deus que deste modo ofereceu à Igreja tantos dons que a tornam bela e habilitada para toda a boa obra (cf. Lumen gentium, 12). É indispensável repassar a própria história [do carisma] para manter viva a identidade e também robustecer a unidade da família e o sentido de pertença dos seus membros. Não se trata de fazer arqueologia nem cultivar inúteis nostalgias, mas de repercorrer o caminho das gerações passadas para nele captar a centelha inspiradora, os ideais, os projetos, os valores que as moveram, a começar dos Fundadores, das Fundadoras e das primeiras comunidades. É uma forma também para se tomar consciência de como foi vivido o carisma ao longo da história, que criatividade desencadeou, que dificuldades teve de enfrentar e como foram superadas. Poder-se-á descobrir incoerências, fruto das fraquezas humanas, e talvez mesmo qualquer esquecimento de alguns aspectos essenciais do carisma. Tudo é instrutivo, tornando-se simultaneamente apelo à conversão. Narrar a própria história é louvar a Deus e agradecer-Lhe por todos os seus dons.” (nº 1)

Afirma, ainda, o Papa: “O Ano da Vida Consagrada questiona-nos sobre a fidelidade à missão que nos foi confiada. Os nossos serviços, as nossas obras, a nossa presença [atual] correspondem àquilo que o Espírito pediu aos nossos Fundadores, sendo adequados para alcançar as suas finalidades na sociedade e na Igreja atual? Há algo que devemos mudar? Temos a mesma paixão pelo nosso povo, solidarizamo-nos com ele até ao ponto de partilhar as suas alegrias e sofrimentos, a fim de podermos compreender verdadeiramente as suas necessidades e contribuir com a nossa parte para lhes dar resposta? Como a seu tempo pedia São João Paulo II, ‘a mesma generosidade e abnegação que impeliram os Fundadores devem levar-vos a vós, seus filhos espirituais, a manter vivos os seus carismas, que continuam – com a mesma força do Espírito que os suscitou – a enriquecer-se e adaptar-se, sem perder o seu caráter genuíno, para se porem ao serviço da Igreja e levarem à plenitude a implantação do seu Reino’”. (nº 2)

 

Eis, caros religiosos aqui presentes, um belo caminho e uma provocação! Queremos mostrar seus rostos, seus nomes, suas comunidades religiosas, seus carismas. Mostrá-los felizes e realizados na sua escolha pela Vida religiosa é a melhor propaganda vocacional: rostos felizes que revelem corações felizes e vidas ajustadas.

Quero convidar toda a nossa Igreja a um ano orante e próximo a estes irmãos e irmãs que escolheram a Jesus como seu Amado e seu Preferido. Rezando por estes membros queridos de nossa Igreja, vamos fecundar seu sim generoso e fiel, bem como dar novo vigor espiritual à sua presença testemunhal entre nós, ajudando cada um a rever e renovar sua opção pela consagração plena ao Senhor da Messe. Queremos dizer a cada um dos religiosos e religiosas que nós os amamos e que suas vidas são preciosas pedras no edifício de nossa Igreja Particular de Divinópolis.

A vocação diaconal como caminho pessoal e eclesial: eis o segundo ponto que esta ocasião nos permite refletir. O texto da segunda leitura que ouvimos nos recorda a instituição dos primeiros diáconos: sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, escolhidos para a missão de cuidar dos pobres, das viúvas, dos órfãos. Interessante perceber que aqui já se expressa a compreensão da missão como um duplo cuidado: anunciar a Palavra de Deus e servir às mesas, isto é, o anúncio querigmático que gera a fé e o seguimento de Jesus e o serviço concreto e cotidiano à vida e aos irmãos. Esta dupla dimensão é vivida e expressa nas vocações ordenadas e leigas que se ocupam destes dois ministérios, distintos e complementares, mas que também são dimensões da Igreja toda. A tua vocação diaconal, caro Márcio, recorda-nos que a Igreja não pode esquecer, para continuar sendo de Jesus, sua incumbência de cuidar dos fracos e vulneráveis deste mundo. Diz o Papa Francisco: “Embora aparentemente não nos traga benefícios tangíveis e imediatos, é indispensável prestar atenção e debruçar-nos sobre as novas formas de pobreza e fragilidade, nas quais somos chamados a reconhecer Cristo Sofredor” (EG 210). Há seres frágeis e indefesos, que muitas vezes ficam à mercê dos interesses econômicos ou dum uso indiscriminado. Refiro-me, diz o Papa, ao conjunto da criação. Nós, os seres humanos, não somos meramente beneficiários, mas guardiões das outras criaturas” (EG 215). Eis, portanto, prezado Márcio, os caminhos do teu ministério diaconal e da diaconia da Igreja: somos chamados todos ao serviço da vida, ao cuidado da criação e das criaturas, em todas as suas expressões e modalidades, com a primazia da vida humana, mas sem esquecer a criação inteira, que clama hoje por uma diaconia cuidadora e responsável, que conserve, respeite e promova a vida na sua multiforme beleza. Teu diaconato não pode ser apenas um serviço litúrgico e religioso. Estás chamado sim a ser servidor da Palavra de Deus, pois participas também desta tarefa da Igreja, e és chamado a te deixares conformar por esta Palavra; estás chamado também a zelar com profunda piedade e reverência dos serviços do altar sagrado e não te esqueças te tratar santamente as coisas santas; e estás, enfim, chamado ao serviço e ao cuidado dos pobres deste tempo. Não te esqueças das intenções e motivações do diaconato primitivo: sê amigo dos pequenos, dos pobres e dos vulneráveis. Que tua vida e teu ministério expressem o carinho e a solicitude da Igreja por eles e acordem a Igreja para nunca fechar os olhos a eles.

Daqui passamos ao terceiro e último ponto: o amor pelos pobres. Aqui tu tens dois mestres, caro Márcio: Jesus e o fundador do teu carisma, o beato Giácomo Cusmano. Os textos espirituais do teu Pai Fundador serão sempre oportunos e atuais. Bebe deles para não fugires dos teus propósitos de religioso. As palavras e a práxis de Jesus, como as de hoje, serão sempre outro exemplo e outro imperativo para teu caminho vocacional. Jesus, no relato de Marcos que ouvimos, gastou sete verbos, sete ações, com aquele surdo que falava com dificuldade: 1) afastou-se com ele; 2) colocou os dedos nos seus ouvidos; 3) cuspiu; 4) tocou a língua do surdo; 5) olhou para o céu; 6) suspirou; 7) disse “efatá”. Jesus gastou tempo, sentimentos, atitudes com aquele homem, surdo e por isso excluído e separado. Eis, Márcio, um modelo para teu ministério diaconal: conjuga bons e muitos verbos na direção daqueles que cruzarem teu caminho, gasta tempo com as pessoas, acolhe, escuta, ajuda; multiplica ações criativas e compassivas na direção dos pequenos, fracos e pobres; redobra os sentimentos de afeto e amor por todos, começando pelos menores. Diz o Papa Francisco que o cuidado espiritual e pastoral com os pobres deve ter lugar privilegiado e prioritário na vida dos discípulos de Jesus (EG 200-201). É preciso, certamente, cuidar de todos. Também são pobres os que não creem em Cristo, dissera o Papa Bento XVI, mas é preciso começar pelos pobres de fato, pobres de recursos, pobres de bens, pobres de direitos… Os ricos têm compensações que os tornam capazes de esperar um pouco e serem os segundos na lista do cuidado pastoral. Não se trata de excluir ou desconsiderar a sede ou a crise de Deus nos corações abastados, mas trata-se de começar pelos preferidos de Jesus. Os pobres nos julgarão no último dia! O juízo de Deus será pronunciado pela boca dos pobres, pelo que fizemos ou não por eles no tempo da missão e da Igreja, que é este tempo. Como o profeta Isaías, grita, Márcio, na direção dos desanimados, tristes e oprimidos: “Criai ânimo, não tenhais medo… Vede é vosso Deus… ele vem para vos salvar”. Sê portador e sacramento visível e humano desta salvação, desta boa notícia, ajuda a levantar os caídos, a reerguer os fracos, a defender os vulneráveis, incluindo a natureza. Ajuda a transformar as vidas áridas em lagos de esperanças e de alegrias. Ajuda os corações sedentos a encontrar a fonte de água viva.
Que a Virgem Maria, a pobre de Nazaré, a diaconisa do amor e do cuidado, ontem e hoje, na direção de Isabel e na nossa direção, a toda de Deus e, por isso, cheia de graça e beleza, que ela cuide de ti, te faça um diácono que recorde à Igreja aquilo que ela não pode esquecer e aqueles que devem receber o primeiro olhar e os melhores cuidados: os pobres, aqueles cuja presença na comunidade primitiva ofereceu o motivo para a constituição do ministério dos diáconos na primeira hora da missão. E desde os primeiros diáconos, e agora contigo, Márcio, aprendemos e mantemos a diaconia permanente de toda a Igreja, que se mostra como comunidade de Jesus quando se apresenta cotidianamente como casa do cuidado e da misericórdia, como escola de formação de corações samaritanos e compassivos, como comunidade de discípulos a serviço da vida plena e digna para todos.

Amém.

Dom José Carlos de Souza Campos.
Bispo diocesano de Divinópolis-MG.

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