
Homilia de Dom Geovane na Missa do Crisma
“Vós sois os sacerdotes do Senhor, chamados ministros de nosso Deus. Eu os recompensarei por suas obras segundo a verdade, e farei com eles uma aliança perpétua.” (Is 61,6a.8b)
Caríssimos presbíteros, diáconos, religiosos, vocacionados, irmãos e irmãs desta amada Diocese de Divinópolis. A Missa do Crisma na qual se celebra a Unidade dos membros do Corpo de Cristo, marca o encerramento da Quaresma e abre-nos a porta de ingresso ao solene Tríduo Pascal, dias em que recordamos a paixão, morte e ressureição do Senhor.
Nesta liturgia recordamos a unidade do povo de Deus que se realiza enquanto Cristo adormece na cruz, pois ele mesmo disse: “quando eu for elevado da terra atrairei todos a mim” (Jo 12, 32).
Atraídos pela força deste amor que se revela no Crucificado, formamos o povo sacerdotal e escolhido por Deus. A unidade desejada pelo Senhor deve ser tornar visível e real entre nós que fomos ungidos com o seu Espírito e somos enviados em missão. As palavras de Isaías que escutamos a pouco nesta liturgia se referem a nós, ministros ordenados e cristãos leigos batizados: “Vós sois os sacerdotes do Senhor, chamados ministros de nosso Deus”.
Cheios do Espírito
Isaías, o Profeta da Esperança, tem consciência da sua missão, pois foi ungido pelo Espírito. Eis aqui o fundamento para a nossa vida e missão: não nos esqueçamos de que somos ungidos e portadores da graça de Deus no mundo. Nossa precariedade é envolvida pela graça de Deus e assim nos tornamos um povo sacerdotal e seus ministros. Não nos esqueçamos de que somos profundamente amados pelo Senhor. A amnésia ou esquecimento daquele Amor que nos ama e nos espera, pode nos transformar em meros funcionários ou donos pretensiosos da vinha do Senhor. Não nos esqueçamos da unção batismal-crismal que recebemos, pois esta unção nos insere no povo santo de Deus, nos configura a Jesus Cristo morto e ressuscitado e nos iguala em dignidade e beleza.
Palavras e gestos
Reconhecendo-se ungido pelo Espírito, o profeta descreve sua missão. Temos aqui o retrato falado do sonho de Deus para o seu povo sacerdotal. Gostaria de evidenciar apenas alguns aspectos deste amplo horizonte missionário que se abre para a Igreja, pois a profecia de Isaías se realizou plenamente em Cristo Jesus.
Na humilde sinagoga de Nazaré, a Palavra leu as Escrituras e as manifestou em seus gestos de ternura para com os pobres, cativos, cegos e oprimidos. Desde aquele dia em Nazaré, daquele ‘hoje’ (Lc 4,21), a Palavra se tornou o critério único para nortear a vida da Igreja. No dizer do Papa Francisco, o Evangelho tornou-se inegociável.
Desde sempre, na história da salvação, o anúncio é confirmado pelos gestos proféticos. A Igreja recebeu este legado do seu Mestre e Senhor e por isso realiza sua missão com palavras e gestos. E não poderia ser diferente, pois a Igreja é sinal visível de Cristo Jesus. Ele agiu sempre assim com palavras e gestos. Seu ensinamento gozava de autoridade pois não havia separação entre aquilo que Ele anunciava e vivia.
Nossa Missão
Dentro de alguns instantes vamos abençoar os óleos do Batismo e dos Enfermos, e em seguida, consagraremos o Crisma. Este rito manifesta a fecundidade do Povo de Deus e a sua missão profética.
Todos somos batizados para anunciar a Boa-Nova aos pobres, pregar a redenção aos cativos e a liberdade para os que estão presos; para curar as feridas da alma, consolar todos os que choram e proclamar um ano da graça do Senhor.
Ungidos com o óleo do Crisma, somos chamados a ser sinais palpáveis de esperança para os irmãos e irmãs que vivem em condições de dificuldade. Pensemos “nos presos que, privados de liberdade, além da dureza da reclusão, experimentam dia a dia o vazio afetivo, as restrições impostas e, em não poucos casos, a falta de respeito”. Desde já quero unir-me aos irmãos e irmãs privados de liberdade em nosso território diocesano, uma multidão de quase oito mil pessoas encarceradas.
Sinais de esperança hão de ser oferecidos aos doentes, que se encontram em casa ou nos hospitais. “Que os seus sofrimentos encontrem alívio na proximidade de pessoas que os visitem e no carinho que recebem!”
Sinais de esperança merecem-nos os idosos, que muitas vezes experimentam a solidão e o sentimento de abandono.
E de sinais de esperança também têm necessidade aqueles que, em si mesmos, a representam: os jovens. Com renovada paixão, cuidemos das gerações jovens! Mantenhamo-nos próximos dos jovens, alegria e esperança da Igreja e do mundo.
Servidores da Palavra, da Liturgia e do povo
Por fim, dirijo-me afetuosamente aos padres de nossa amada Diocese. Caros presbíteros, nesta quinta-feira santa somos transportados da sinagoga de Nazaré para o Cenáculo em Jerusalém. Em Nazaré, Jesus tem nas mãos o Livro, e no cenáculo, o Mestre sustenta com suas mãos o pão e o cálice com vinho. Em Nazaré Ele anuncia o novo Reino, no Cenáculo, curvando-se para lavar os pés dos seus amigos, ele inaugura o mandamento do amor e do serviço aos irmãos. Eis aqui, caros presbíteros, a moldura que envolve nossa existência sacerdotal. Nossa vida e ministério devem ser modelados pela Palavra poderosa de Deus e pela Liturgia da Igreja, lugar privilegiado de encontro com o Senhor.
Somos servidores do Evangelho e da Liturgia para o bem do povo de Deus. Enquanto servidores da Palavra, não podemos pregar a nós mesmos, e sim o Cristo Jesus, o Senhor (2 Cor 4,5). O autêntico pregador deve esquecer-se de si mesmo e fixar os olhos em Jesus (Lc 4, 20; Hb 12,2), submeter-se ao julgamento da Palavra, deixar-se evangelizar por ela, caso contrário poderá até mesmo seduzir a muitos, mas não converterá ninguém, pois anunciou a si mesmo e não o mistério de Cristo que salva e liberta integralmente o ser humano.
Enquanto servidores da Liturgia, somos ordenados e enviados para o meio do povo, a fim de significar visivelmente, por meio dos sacramentos que Deus amou tanto o mundo, que lhe deu o seu Filho unigênito” (Jo 3,16). Através do nosso ministério, o povo fiel se sente tocado pela ternura de Deus. Mas tudo isso jamais poderá nos envaidecer. Nossa missão só se realiza na comunhão com Cristo, já que por nós mesmos não podemos fazer nada. Uma vez ordenados somos e seremos sempre apenas servos, e como servidores não devemos jamais colocar em primeiro plano a nós mesmos e as nossas opiniões, e sim Jesus Cristo, o Senhor.
Hoje os nossos presbíteros vão renovar suas promessas sacerdotais na presença do povo de Deus. Mas na Vigília Pascal, juntamente com os fiéis de suas paróquias eles também renovarão as promessas batismais. Estes dois ritos estão intimamente unidos, pois o nosso ministério nasce do meio do povo e se transforma em serviço ao povo amado de Deus. Santo Agostinho assim se expressou acerca desta realidade que envolve a nossa existência cristã e ministerial: “Para vós sou bispo; convosco, sou cristão. Aquele é nome do ofício recebido; este, de graça; aquele, do perigo; este, da salvação” (Sermão 340,1)
Hoje os nossos presbíteros renovarão suas promessas sacerdotais. E porque o fazem anualmente? Para não se tornarem reféns daquela amnésia do Amor: uma vez chamados, para sempre amados. “Vós sois os sacerdotes do Senhor, chamados ministros de nosso Deus”. Esta afirmação profética é acompanhada por uma promessa divina: “Eu os recompensarei por suas obras segundo a verdade, e farei com eles uma aliança perpétua”. Minha verdade e meu amor estarão sempre com eles (Sl 88, 25). Renovamos nossas promessas sacerdotais porque o rito da ordenação se conclui, mas o mistério que nele se celebra deve acompanhar-nos e modelar toda a nossa existência. “Deixa-te modelar: tu não sabes o que Deus fará de ti”. (Sta. Teresa Courdec). Deixemos que Deus ordene nossa vida, tornando-a transfigurada, pois “Jesus quer evangelizadores que anunciem a Boa-Nova, não só com palavras, mas sobretudo com uma vida transfigurada pela presença de Deus” (EG 259).
Dom Geovane Luís da Silva
Bispo de Divinópolis
17/04/2025
Fotos> Vinicius Souza