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2 de dezembro de 2023
Foto do artigo Homilia de Dom Geovane Luís na Ordenação Presbiteral do Diácono Bruno Henrique de Moura Silva

Homilia de Dom Geovane Luís na Ordenação Presbiteral do Diácono Bruno Henrique de Moura Silva

“Mestre, por tua palavra, lançarei as redes” (Lc 5,5)

ORDENAÇÃO PRESBITERAL | DIÁCONO BRUNO HENRIQUE DE MOURA SILVA

Igreja Matriz São José – Itaúna |  02 de dezembro de 2023

Introdução

Caríssimos irmãos(ãs), mais vez nossa família diocesana se reúne jubilosa para render graças a Deus que nos dirige o seu olhar de ternura, nos chama e nos confia uma missão. Este lugar que nos acolhe é muito significativo, pois foi aqui, em meio aos afazeres simples do quotidiano, que o nosso caro irmão Diác. Bruno fez a experiência de ter sido alcançado pelo olhar de Deus. O berço de toda vocação é o olhar misericordioso de Deus repousante sobre nós. E esta é a nossa segurança e vantagem: saber que desde sempre Deus nos olhou com ternura, nos chamou e nos escolheu por amor. A certeza de que o Senhor nos olha com ternura e nos chama unicamente por amor é a chave que abre a porta de todo itinerário vocacional.

Olhares que se entrecruzam e se assumem mutuamente! É assim que se realiza a nossa existência no mundo: de um lado, o olhar divino que se compadece de nossas fraquezas, do outro, o olhar humano seduzido pela beleza do convite de Deus para que assumamos e acolhamos em nossa vida a sua vontade de amor. Contemplados por Ele com misericórdia, o nosso olhar se transfigura e então começamos a ver de um modo novo a realidade que nos rodeia e nos interpela. Deste modo, a nossa história pessoal e comunitária, com sua beleza e dramaticidade, alegrias e tristezas, torna-se condição indispensável para uma resposta livre e generosa ao chamado de Deus. Pois, se a vocação é dom do alto (iniciativa divina, olhar misericordioso do Pai que se debruça sobre nós), ela é também, expressão de solidariedade, comunhão, desejo de realização (resposta humana do nosso olhar transfigurado sobre a realidade na qual estamos imersos).

Neste dia em que celebramos sua ordenação presbiteral, querido Diác. Bruno, fazemos memória do olhar divino que pairou sobre você e mudou o norte da sua existência. Recordamos com alegria que todos nós também somos envolvidos por este olhar divino. Apesar de nossas fragilidades, somos a menina dos olhos de Deus, nosso Pai e Criador. Cada ser humano que entra neste mundo é vocacionado à vida e muito amado por Deus.

 O olhar de Jesus repousou sobre Pedro

Tudo aconteceu às margens do lago de Genesaré. A cena é cativante, emoldurada pela beleza das águas do mar que fazem espraiar os raios da luz do sol. As pessoas ouvem da margem; Jesus fala a partir das águas serenas do lago. Não está assentado numa cátedra, mas num simples barco. Esta barca é figura da Igreja, pequena comunidade que flutua sobre o abismo e realiza o êxodo do povo da nova aliança.

Neste cenário humilde e simples, em meio à multidão que se comprimia ao redor dele para escutar a Palavra de Deus, Pedro e os demais discípulos vivenciaram a experiência do encontro com Jesus e, naquela hora, foram alcançados pelo seu olhar. Quando lhes faltava força para continuar a lançar as redes no mar, foi então que o Divino Mestre repousou o seu olhar sobre eles. Justamente na hora do esgotamento, daquela sensação de falência, desencanto e cansaço dos pescadores é que Jesus lhes dirige o seu olhar e sua palavra encorajadora: “Vai mais para o fundo e lançai vossas redes para a pesca” (Lc 5, 4). Bendito olhar de Jesus que fortaleceu os discípulos esmagados pelo cansaço e os colocou novamente de pé. Bendito olhar de Jesus que tem a força de animar-nos quando o cansaço e o medo recaem sobre nós! Bendita Palavra do Senhor que interpelou os discípulos! Bendita Palavra que hoje nos desinstala e nos faz abraçar sem medo a missão que Ele reservou para cada um de nós. Caro irmão você experimentou esta realidade ao tomar a livre decisão de ingressar-se no nosso seminário e consagrar-se através da ordenação da sua vida inteira para Deus e para os irmãos.

 Confiante na força da Palavra

A ordem de Jesus – “Vai mais para o fundo e lançai as vossas redes para a pesca” – dirigida aos pescadores de profissão parece ofensiva e até insana. Aos nossos ouvidos ela soa como algo inútil e estúpido. É como evangelizar onde não tem ninguém.

Os pescadores conhecem bem a arte de manejar as redes e sabem que é melhor pescar de noite, no entanto, a partir de agora, deverão compreender que não é por força e por vontade própria que agem, e que a pesca será frutuosa mesmo de dia, por que obedecem ao sol que apareceu para iluminar os que estavam nas trevas e na sombra da morte (Lc 1,78). Jesus não é só o mestre a ser imitado, mas ele é a Palavra fecunda e poderosa que realiza aquilo que diz.

Naquele momento, Pedro teve uma inspiração e disse: “Mestre, trabalhamos a noite inteira e nada apanhamos”. A vã fadiga noturna indica a inutilidade de todos os esforços humanos feitos por vontade própria para instaurar o Reino. Pedro inspirado por Deus ainda diz: mas “Por tua Palavra, lançarei as redes” (Lc 5,5). É uma inspiração de fé que leva à ação. Quando na nossa vida e missão tudo se torna absurdo, quando tudo parece fadado ao fracasso, devemos sempre recorrer ao Senhor, para N’Ele e a partir da amizade com Ele recomeçar a cada dia.

A ousadia de embrenhar-se no mar da vida

A partir daquele momento, Pedro encontrou forças para lançar de novo as redes no mar e tomou consciência de que a sua missão não era ficar ali, inerte, na praia, por mais prazeroso que fosse naquela hora de fadiga, contemplando o mar sereno ou revolto. Não. Sua missão era bem outra: embrenhar-se sem medo no mar da vida. O ato de continuar lançando a rede no mar era uma prefiguração de tudo aquilo que Pedro deveria realizar até à hora suprema da sua morte: pescar para o Reino e não mais para si; pescar vidas humanas e seduzir para Cristo os que lhe foram confiados. Esta é a missão da Igreja que foi confiada a nós, frágeis e humildes servidores, através do sacramento da ordem. Esta é a razão de ser do nosso ministério ordenado: atrair todos para Cristo sem nenhuma concessão a qualquer atitude ou desejo que possa nos induzir a percorrer a terrível e maldita estrada da autoreferencialidade.

 

Reconhecendo-se ferido

Neste comovente encontro entre Jesus e Simão Pedro, discípulo crente e pecador, podemos contemplar o caminho percorrido pela Igreja ao longo dos séculos e, por que não, o nosso itinerário vocacional.

Pedro é um homem de fé seduzido por Jesus. As palavras do mestre têm para ele mais força do que a sua experiência. Pedro sabe que ninguém se põe a pescar ao meio dia no lago, sobretudo se não pescou nada durante a noite. Mas Jesus mandou, e Pedro confia totalmente nele: apoiado em tua palavra, lançarei as redes.

Pedro é, ao mesmo tempo, um homem de coração sincero. Surpreendido pela extraordinária pesca obtida, prostrou-se aos joelhos de Jesus e, com uma espontaneidade admirável, lhe diz: afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador! (Lc 5,8). Diante de todos, Pedro não se envergonha e reconhece seu pecado, suas feridas e sua indignidade para conviver com Jesus. O que mais nos surpreende neste trecho do evangelho é que Jesus não se incomoda por ter em sua companhia um discípulo pecador. Para Jesus esta autoconsciência do discípulo é fundamental para que ele possa compreender melhor sua mensagem de perdão e sua acolhida a pecadores e indesejáveis de todo tipo.

Naquele momento, Jesus ofereceu a Pedro a oportunidade de sentir-se verdadeiramente amado por Ele. E isto só foi possível depois que o apóstolo experimentou a sua própria vulnerabilidade e permitiu que o Senhor tocasse com o seu olhar misericordioso as suas feridas, fazendo dele o primeiro depositário do perdão e da misericórdia evangélica. Isto certamente lhe custou muito, pois Pedro era cioso de sua fidelidade, de sua capacidade de ser honesto e leal. Ali, em meio às aguas instáveis do lago, Pedro se descobriu vulnerável, mas não obstante o seu pecado, sentiu-se amado e chamado ao seguimento de Jesus. Somente quem se deixa amar pelo Senhor pode ser verdadeiramente seu discípulo, e mais ainda, ser curado dos próprios pecados e tornar-se capaz de amar. Quem não se sente amado, por sua vez, não ama e não muda!

Ao sermos chamados para o exercício do nosso ministério na Igreja, somos convidados a fazer esta travessia que nos humaniza e descobrir que somos genuinamente feridos, inacabados e, isto é uma dádiva de Deus para nós, é a fresta através da qual a graça divina entra em nossas vidas. Sendo assim, irmãos e irmãs, deixemo-nos modelar por Deus, pois não sabemos o que Ele, na sua bondade, fará de nós.

Disse Jesus a Pedro: Não temas! Doravante serás pescador de homens! (Lc 5, 10). Jesus lhe tira o medo de ser um discípulo pecador e o associa à sua missão de reunir e convocar homens e mulheres de toda condição a entrarem no projeto salvador de Deus. A missão confiada a Pedro se refere diretamente a todos os que desejam seguir Jesus. Não por acaso este trecho do evangelho se conclui assim: “E depois de levar os barcos à terra, deixaram tudo e o seguiram” (Lc 5, 11).

Caríssimo Diác. Bruno, sua vida e ministério é um grande dom para a nossa Igreja Particular. Sem dúvida, Deus já vem realizando grandes coisas em sua vida e através do seu ministério diaconal. Testemunhamos sua alegria de servir na simplicidade e sua presença encorajadora junto aos jovens em Nova Serrana. Desejamos que seu ministério seja fecundo e fonte de consolação para todos que necessitam do anúncio da Palavra de Deus. Em atenção à palavra de Jesus prossiga sem medo a estrada do amor e do serviço aos irmãos e irmãs. Que “Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem o Pai ungiu com o Espírito Santo, e revestiu de poder, te guarde Diác. Bruno para a santificação do povo fiel e para oferecer a Deus o santo sacrifício”. Assim seja!

Dom Geovane Luís da Silva
Bispo Diocesano de Divinópolis – MG

 

 

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