Homilia de Dom Geovane Luís na Ordenação Diaconal dos Seminaristas Gustavo, Marcos, Marcelo, Jean e Leonardo
Caríssimos irmãos e irmãs estamos reunidos em família para celebrar a ordenação diaconal destes nossos filhos queridos: Gustavo, Jean, Leonardo, Marcelo e Marcos. Eles foram gestados pelo anúncio do Evangelho e pelo testemunho de fé das nossas comunidades eclesiais. Estes jovens candidatos ao diaconato são cinco dons preciosos para a nossa amada Diocese de Divinópolis.
Gostaria primeiramente de expressar minha saudação afetuosa aos pais destes nossos irmãos: César e Eunice; Márcio e Leonice; Milton e (Maria Regina in memoriam – Leonardo); Marcelino e Ana Lúcia; Paulo e (Maria Auxiliadora in memoriam – Marcos). Nesta hora nos apropriamos das palavras do grande poeta mineiro para recordar a presença destas duas mulheres que exerceram a sublime missão da maternidade: “Porque Deus permite que as mães vão-se embora? Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio. Mãe, na sua graça, é eternidade”[1]. Minha cordial saudação aos demais familiares dos nossos futuros diáconos: a família é o berço de todas as vocações. Saúdo também todos os fiéis, seminaristas, religiosos(as) e ministros ordenados com quem tenho a alegria de compartilhar a missão que me foi confiada nesta Igreja Particular.
Como já disse a pouco, o motivo que nos reúne em torno deste altar é a ordenação diaconal destes cinco jovens. Nesta manhã, a liturgia da Igreja será a nossa mestra. Tomando-nos pela mão ela nos conduzirá, através dos seus ritos, gestos e palavras, ao sentido pleno de uma vida ordenada para Deus e para os irmãos.
A ordem é um dos atributos da beleza do ser. Basta recordar que Deus ao criar o mundo, o universo, a natureza e o ser humano foi ordenando tudo, ou seja, foi desvitalizando o caos e colocando ordem em tudo a fim de que toda a criação fosse um reflexo da beleza do Criador. O ser humano é um reflexo da beleza de Deus. Deus Pai Criador, ao colocar suas criaturas no seu devido lugar viu que tudo era bom. A criação é uma travessia do caos para a ordem. A ordem é a garantia da beleza da criação.
A Igreja designa com a palavra ordem, o sacramento que se destina àqueles que participam da missão de Jesus Cristo, o Bom e Belo Pastor. Daí, podemos deduzir o que se deseja com rito da ordenação: ordenar a vida, o coração, os afetos, os sonhos e desejos daqueles que desejam configurar suas vidas à missão de Jesus, o servidor da humanidade.
O rito da ordenação sinaliza um projeto de vida – a eleição dos candidatos, o propósito dos eleitos, a prostração, a imposição das mãos e prece de ordenação, a vestição e a entrega do Livro dos Evangelhos – que deve perdurar para sempre. O rito é o marco inicial de um longo, exigente e prazeroso caminho de configuração a Cristo, pois o sacramento da ordem assume nossa humanidade, mas não anula as nossas fragilidades. Portanto a ordenação enquanto rito se transforma num itinerário permanente e quotidiano de busca de santificação. Este processo durará por toda a vida, pois somos inacabados, somos semelhantes à terra com os seus sulcos abertos à espera da semente. No rito da ordenação se manifesta o desejo ardente que Jesus tem no seu coração: Ele quer que sejamos discípulos cientes da própria fragilidade, abertos à sua misericórdia e desejosos de uma vida transfigurada no amor e no serviço aos irmãos e irmãs. “Jesus quer evangelizadores que anunciem a Boa-Nova, não só com palavras, mas sobretudo com uma vida transfigurada pela presença de Deus”[2].
A ordenação nesta perspectiva é uma parceria constante entre Deus e o ser humano. Sem o auxílio divino nada podemos, seremos apenas reféns do medo de nossa possível ou quase certeira situação de falência. Recordemos nesta hora a palavra de Jesus dirigida aos seus amigos antes de sofrer a sua paixão: sem mim nada podeis fazer (Jo 15, 5).
Quem nos sustenta neste caminho da ordenação da própria vida? A graça de Deus e a oração de Jesus, o sumo e eterno sacerdote. Nossos irmãos escolheram para a liturgia de hoje um fragmento do capítulo 17 do evangelho de São João. Este trecho, designado com a expressão Oração Sacerdotal, conclui os discursos de despedida de Jesus após ter lavado os pés dos seus discípulos.
Nesta oração Jesus reza por Si mesmo, pelos Apóstolos e finalmente por todos aqueles que depois, por causa da palavra deles, haveriam de acreditar n’Ele, ou seja, pela Igreja de todos os tempos. Jesus santifica-se a si mesmo e implora a santidade para os seus amigos. Como isto nos sustenta e nos consola ainda hoje! A propósito, recordo nesta hora a palavra de Jesus dirigida a Pedro no momento em que o apóstolo se manifestou autossuficiente e capaz de seguir o mestre, apoiando-se unicamente na areia do seu próprio ser: Simão, Simão satanás pediu permissão para vos peneirar como o trigo. Eu, porém, orei por ti, para que tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos (Lc 22, 32).
Da oração sacerdotal de Jesus emergem grandes intuições espirituais para o exercício da nossa missão. Hoje vamos nos debruçar, ainda que brevemente, apenas sobre a súplica confiante e insistente de Jesus pela unidade.
Este trecho da prece sacerdotal de Jesus nos revela o sonho de Deus, o Pai Santo, expresso nas palavras do seu amado Filho: Para que todos sejam um… Em sua oração o Mestre de Nazaré pede pela futura unidade dos seus discípulos. Assim, o seu olhar se estende para além da comunidade dos discípulos de então e se fixa em todos aqueles que por meio da palavra crerão n’Ele (Jo 17, 20). Abre-se aqui o vasto horizonte da comunidade futura dos crentes através das gerações, a futura Igreja está incluída na oração de Jesus. Ele invoca a unidade para os seus futuros discípulos.
Vale ressaltar que Jesus repete quatro vezes este pedido pela unidade:
“Pai Santo, guarda-os em teu nome, que me deste, para que eles sejam um, como nós somos um” (Jo 17, 11).
“Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti. Que também eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21).
“Eu lhes dei a glória que tu me deste, para que eles sejam um, como nós somos um, eu neles e tu em mim. Sejam, assim, consumados na unidade, e o mundo reconheça que tu me enviaste e os amaste, como amaste a mim”. (Jo 17,22-23).
Qual é a finalidade desta súplica de Jesus pela unidade dos futuros discípulos da Igreja de todos os tempos? O motivo deste pedido é muito claro: para que o mundo creia, ou melhor, reconheça que Jesus foi mandado pelo Pai.
A unidade futura dos discípulos não é um fenômeno mundano. Isso é dito claramente pelo Senhor: a unidade não vem do mundo; é impossível extraí-la das forças próprias do mundo. Aliás, bem vemos como essas forças mundanas levam à divisão. A unidade só pode vir do Pai por meio do Filho. Ela tem a ver com a glória que o Filho dá: com a sua presença, que nos é concedida através do Espírito Santo e que é fruto da morte e ressurreição de Jesus.
Jesus deseja que seus discípulos sejam unidos para que se manifeste no mundo o seu amor e a verdade da sua missão. É precisamente isto que a oração de Jesus pela unidade tem em vista.
“A unidade deve ser visível e reconhecível como algo verdadeiramente extraordinário; algo inexplicável com base nas forças próprias da humanidade e, consequentemente, torna visível o agir de uma força diversa. Por meio da unidade humanamente inexplicável dos discípulos de Jesus através dos tempos, é legitimado o próprio Jesus. Torna-se evidente que Ele é verdadeiramente o ‘Filho’. Desse modo, Deus aparece reconhecível como Criador de uma unidade que supera a tendência do mundo à desintegração”.[3]
Foi por isso que Jesus rezou: por uma unidade, que só é possível a partir de Deus e por meio de Cristo, mas uma unidade que aparece de modo tão concreto que se torna evidente a força presente e operante de Deus. Por isso, a fadiga em prol da unidade visível dos discípulos de Cristo permanece uma tarefa urgente para os cristãos de todos os tempos e lugares. Elemento essencial desta unidade é a fé em Deus e n’Aquele que ele enviou: Jesus Cristo.
“Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te conheci, e estes reconheceram que tu me enviaste” (Jo 17, 25). Da fé em Cristo enviado pelo Pai nasce a missão da Igreja. A Igreja nasce da oração de Jesus. Sua oração não é apenas palavra, mas é o ato em que Jesus se consagra a si mesmo, isto é, se sacrifica para a vida do mundo. É neste horizonte que se insere a liturgia da ordenação diaconal.
Aquele que recebe a graça da ordenação é retirado do meio do povo, separado, consagrado e está intimamente unido a Jesus, pois ele pediu: “Pai, eu quero que os que me deste estejam comigo, onde eu estou” (Jo 17,24). A partir da ordenação nossa vida, e mais ainda, todo o nosso ser pertence ao Senhor. Mas esta pertença ou entrega a Cristo tem por finalidade a missão. Deus recebe o pobre dom da nossa vida e o oferece em forma de missão ao seu povo amado e escolhido. Depois da ressurreição, Jesus atrai os discípulos para dentro dessa corrente da missão: “Como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20, 21). Deste modo entendemos como o rito da ordenação é performativo e tem a força de determinar o ritmo da nossa vida inteira. O rito se torna vida e missão ao longo do caminho. A partir da ordenação caros filhos, vocês serão representantes de Jesus Cristo, como Cristo representa o Pai. Vocês serão envolvidos na missão de Jesus; serão servidores do seu corpo e sangue; anunciadores da sua Palavra; testemunhas da caridade invencível do Senhor pelos pobres e sofredores; sinal de comunhão e de unidade.
Dom Geovane Luís da Silva | Bispo Diocesano de Divinópolis – MG
[1] Drumond, Para Sempre
[2] Papa Francisco, Evangelii Gaudium 259
[3] Bento XVI, Jesus de Nazaré, Da entrada de Jerusalém até a Ressurreição, Planeta, 95.
Assista a homilia proferida por Dom Geovane na Ordenação Diaconal