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Homilia para a Ordenação Presbiteral do Diácono Rafael de Oliveira Costa

A esperança não decepciona (Rm 5,5)

 

Nestas próximas semanas nossa Igreja renderá graças a Deus pela ordenação de três sacerdotes diocesanos: Rafael, Flávio e Felipe. Terei ocasião também para uma catequese mais sistemática e larga sobre o Sacramento da Ordem. Convido-os então a tomar o caminho das três meditações.

 

Ao Diácono Rafael agradeço pela fidelidade e pela perseverança no discernimento do chamamento inicial. Foram quase dez anos desde os encontros vocacionais até este dia bendito de consagração no segundo grau do sacramento da Ordem.

 

No coração do mês de agosto, há 40 anos, desde 1981, mês das vocações aqui no Brasil, rezamos ainda uma vez pelas vocações sacerdotais, pelos nossos seminaristas e formadores, pelos diáconos diocesanos e religiosos que desenvolvem seu ministério entre nós, pelos nossos candidatos ao diaconato permanente que estão num caminho de discernimento e formação já há alguns anos.

 

Caro diácono Rafael, avanças hoje, pela imposição de nossas mãos e prece da Igreja, do diaconato ao presbiterato. Diácono um dia, sacerdote daqui a pouco, mas sempre servidor do Povo de Deus. O primeiro grau do sacramento da Ordem não é superado, mas agregado, quando se alcança o segundo grau. E estes dois graus agregados formam e dão plenitude ao terceiro grau, que é o episcopado, de forma que o bispo se torna o primeiro servidor e o sacerdote pleno no coração da Igreja confiada aos seus cuidados juntamente com seu presbitério. Mesmo que não a utilizes mais como veste principal, imagina em cada celebração e na missão sacerdotal que esteja sempre sob tua casula presbiteral a dalmática diaconal que usaste até aqui. Não deixas de ser diácono. E se deixares não servirás para ser presbítero.

 

Estamos aqui onde tu cresceste e aprendeste as coisas de Deus, onde deste teus passos iniciais no caminho da fé, no engajamento comunitário, onde serviste como colaborador dos sacerdotes que passaram por esta paróquia. Hoje voltas, como Jesus, ao lugar onde foste criado, entras neste Santuário do Bom Jesus, num sábado, e levantar-te-ás em breve para dizer que queres desempenhar a missão de sacerdote no grau de presbítero, como fiel colaborador da Ordem episcopal, apascentando o rebanho do Senhor sob a direção do Espírito Santo. A partir daí, o texto que Jesus lê na sinagoga deve tornar-se tua vida e teu ministério, como se tornou a vida e o ministério de Jesus mesmo. “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres, enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista, para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor”. Poderás em breve dizer como Jesus: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. Cristo é o ungido com o Espírito, é o sacerdote por excelência e para sempre. Nós participamos, mesmo indignamente, mas por chamamento dele, desta unção e deste sacerdócio eterno.

 

Eu te convido, Rafael, pela unção que recebeste no peito, na testa e hoje nas mãos a oferecer ao longo do teu ministério o que só os sacerdotes podemos dar. De nós nossa gente espera tão somente que não lhe deixemos faltar o essencial da espiritualidade cristã: palavra boa e alegre do Evangelho, que é caminho, verdade, vida e salvação; o sacramento eficaz que nos mergulha no mistério de Deus e nos eleva; e a oração que abençoa, liberta, exorciza de todo mal. Somos sacerdotes do Senhor e ministros de Deus. Somos tão somente isso! Nada mais que isso. Nada menos que isso. O ministério do Messias, segundo Isaías e Lucas, é o ministério profético da vida, do cuidado, da libertação, da graça. Eis o nosso ministério também!

 

Não precisas e não deves inventar nada. Basta identificar-te ao Cristo, fazer o que ele fez, como fez, a quem fez, na medida dele, com a unção dele, com o amor pastoral dele. Imita o Bom Pastor na tua medida, Rafael, mas que ela não seja pequena. Basta que realizes o sacerdócio dele e não cries o teu próprio. O sacerdote é Ele. Nós somos imitadores. Ele é sacerdote por natureza. Nós por participação. Se fizeres o teu sacerdócio, não serás dele. Somos “outro Cristo”, até chegarmos a ser “Cristo mesmo” entre o rebanho. O rebanho não quer outro Pastor senão Cristo, visto e seguido através de nosso ministério. A participação no sacerdócio de Cristo deve nos conduzir à configuração visível e tanto mais possível com Ele. Não inventes outro sacerdócio. Não ofusques Cristo com tua fama, tua mostração, teu cajado. Ele deve ser anunciado e conhecido, mostrado e seguido. Não atraias seguidores a ti, nem na rede social nem na presencialidade, mas conquista seguidores para Ele.

 

Pela unção sacerdotal deste dia, torna-te responsável, em nome de Cristo e no lugar dele, pelo reino de sacerdotes que são os batizados reunidos na comunidade de discípulos. Velarás pela vida, pela fé, pela história, pela salvação de cada membro desta comunidade sacerdotal. O sacerdócio ministerial do qual participarás tornar-te-á servidor e cuidador da grande comunidade dos batizados e ungidos. Portanto: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco nos seus corações. Porque a comunidade dos discípulos é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em busca do Reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para comunica-la a todos” (GS1). Conheces bem este fragmento da Gaudium et spes: tudo que é humano precisa ser iluminado pela luz da fé em Cristo; os pobres devem ter primazia nas nossas atenções; o Espírito é o óleo que ungiu o Senhor e a nós; a mensagem da salvação deve ser anunciada integralmente e a todos. O Evangelho precisa dialogar com todas as situações humanas e sociais, iluminando e convertendo a Jesus todas as vidas. Todas sem exceção!

 

Este é exatamente nosso múnus de reger, de governar, de pastorear. Este é nosso “ofício de amor”, como dizia Agostinho. Precisamos levar tudo e todos a Cristo, à luz do seu Evangelho, à misteriosa realidade do seu Reino já presente entre nós. O múnus de reger, próprio do ministério episcopal, do qual participa cada presbítero, não expressa simplesmente e primariamente a capacidade de organizar e administrar do ponto de vista burocrático uma comunidade de fé. “Em virtude do Sacramento da Ordem […], os presbíteros são consagrados para pregar o Evangelho, apascentar os fiéis e celebrar o culto divino, de maneira que são verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento” (LG 28). Este múnus de reger ou governar que cabe aos pastores deve ser assumido não com autoridade ou poder de comando, mas como cura pastoral que orienta tudo para Deus e seu reinado. E esta dimensão comunitária do cuidado pastoral não pode descuidar das necessidades de cada um dos fiéis. Cada um! Jesus estabelece com seu exemplo a primeira regra da cura pastoral: o conhecimento e a relação de amizade com as pessoas, com cada pessoa. Jesus conhece pelo nome suas ovelhas. “Na Igreja, a visão comunitária deve harmonizar-se com a pessoal; mais ainda, na edificação da Igreja, o pastor procede da dimensão pessoal à dimensão comunitária. No relacionamento com as pessoas individuais e com a comunidade, o sacerdote se esforça para tratar a todos com exímia humanidade, nunca se põe a serviço de uma ideologia ou de uma facção humana” (da Carta circular da Congregação para o clero. O presbítero: mestre da Palavra, ministro dos Sacramentos e guia da comunidade em vista do terceiro milênio, 1999, p. 57-58). O ministério do governo pastoral (munus regendi) ou a unção para o cuidado pastoral exige do presbítero um amoroso exercício da fortaleza, cujo modelo deve ser descoberto na atitude e na caridade pastoral de Jesus Cristo. A autoridade do governo pastoral nunca é domínio que oprime, mas disponibilidade e espírito de serviço. “Este duplo aspecto – autoridade e serviço – constitui o sistema de referência no qual enquadrar o múnus de governar do sacerdote: ele deverá esforçar-se sempre para realizar com coerência a sua participação na condição de Cristo como chefe e pastor do seu rebanho”, ensina a Carta Circular da Congregação para o clero, de 1999 (idem, p. 59). Autoridade e serviço entendidos sempre em chave sinodal, caro diácono Rafael. É preciso escutar muito, escutar sempre, escutar a todos. Nossos discernimentos pastorais acertados passam pela transversalidade da escuta, da participação, da colegialidade, e não tanto pela iluminação vertical de uma única alma ungida. Não governamos sem ouvir. Somos ungidos por excelência no seio de uma comunidade de ungidos. Deus guia e governa sua Igreja pelo ministério dos pastores, mas a vida, os clamores, as intuições, a palavra, o testemunho de cada fiel são elementos importantes e imprescindíveis para se fazer o “discernimento dos espíritos”, das moções, das indicações missionárias do caminho. Precisamos, para governar com solicitude cristã, dar voz a nossos colaboradores, nossos conselhos, nossos irmãos e irmãs que estão conosco na empreitada da fé e no seguimento do único Pastor. Esta sinodalidade é a pedagogia e o traço que não podem faltar no nosso pastoreio em tempos do Papa Francisco. Sinodalidade é discernir, encontrar e trilhar o caminho juntos, pastores e rebanho. Sinodalidade exige e educa para comunhão. Comunhão é o resultado do nosso múnus de governo, de pastoreio. “Que todos sejam um!” Somos um corpo e muitos membros! A comunhão não é camisa de força, mas é vocação da Igreja.

 

Caro Diácono Rafael, fico feliz e agradecido a Deus por mais um colaborador precioso que Ele oferece ao nosso múnus de governar o Povo de Deus confiado à nossa solicitude pastoral. Convido-te a ser, como Jesus, testemunha fiel. Que teu amor pastoral ajude a suavizar muitas angústias e tristezas deste e de outros tempos; que tua unção favoreça a maturidade da fé dos que estão no caminho missionário na direção daquele que “vem com as nuvens”, o “traspassado”, Aquele que é, que era e que vem, cuja volta e plenitude de seu Reino esperamos ansiosos, e, enquanto Ele não vem, peço-te que celebres sua memória, apascentes seu rebanho e ofereças todos os dias o melhor da tua unção àqueles para quem o Pai te unge hoje sacerdote para sempre.

 

Que São Maximiliano Maria Kolbe, mártir da barbárie dos campos de concentração nazistas, amigo fiel da Virgem Maria, interceda por ti e te alcance a graça do martírio cotidiano e prolongado até tua velhice, a fim de que possas dispor com amor do poder da unção que receberás, até te associares, na esperança que não decepciona, ao Bom Jesus, à Santíssima Virgem Assunta e Vitoriosa, a São Kolbe e a toda a Igreja triunfante que contempla o Cordeiro que foi imolado e reina vivo para sempre. Amém.

 

Dom José Carlos de Souza Campos, Bispo de Divinópolis-MG | 14/08/21

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