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Homilia para a Ordenação Diaconal de Pedro Henrique Guimarães Moura

Caro Pedro Henrique, um dia escutaste misteriosamente uma voz que te chamava para um encontro, uma intimidade, uma aliança, onde aos poucos tu te conformarias Àquele que desejava teu sim e teu amor. Não sei onde o Senhor te encontrou nem como te fez saber que te queria para Ele, mas sei que esta palavra de chamamento chegou a teus ouvidos e permaneceu no teu coração e te fez avançar por longos anos de formação, pelas águas saborosas da Filosofia e da Teologia, da espiritualidade e da pastoral, da convivência e da solidão do caminho formativo.

A vocação traz consigo uma força incontrolável que faz largar as redes, a família, a casa da gente para ir com Aquele que nos chama, para águas que desconhecemos, para profundezas ousadas, para atrair outros ao mesmo caminho. Tua vocação, Pedro, faz-nos recordar nosso chamado e nos traz à mente muitas águas, muitas barcas, muitos peixes e pescadores, muitos dos nossos pecados e muito da misericórdia de Jesus, que, tendo-nos olhado na vergonha da consciência de nossas fragilidades, mandou-nos ir adiante.

Não posso deixar de acreditar que neste longo processo de formação, desde os encontros vocacionais, o propedêutico, o período discipular da Filosofia, o período configurativo da Teologia, a síntese vocacional feita num estágio pastoral até maior que o de costume, não posso imaginar que Jesus não te tenha visto, assim como viu Simão Pedro, jogado aos seus divinos pés inúmeras vezes para acusar tuas misérias, teus pecados, tua indignidade. Se não fizeste isto, és indigno deste ministério! Se não te converteste suficientemente, não és digno das redes que deves lançar! Nossa história de pecado permanece, mas não pode esmorecer em nós o esforço cotidiano da conversão. Talvez não sejamos os primeiros da fila dos convertidos, mas não podemos nos contentar tranquilamente com os últimos lugares desta fileira. Não merecemos os Sagrados Ministérios por competência ou premiação, mas os recebemos como pecadores, imersos na fadiga diuturna e perseverante da conversão, sem nos afastar nem desistir d’Aquele que nos chama e atrai de modo irresistível. Posso imaginar-te muitas vezes, olhando para ti mesmo e, rezando com tristeza: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou pecador! Há outros mais dignos que eu! Visita outras barcas, outros mares, outras vidas!” Creio que escutaste de Deus, Pedro, em alto e bom tom o “não tenhas medo!” Rompeste com muitos dos teus pecados e teus medos, deixaste as redes da vida antiga, tomaste em atenção a palavra d’Aquele que te chamava
e avançaste até esta noite bendita para ti e para nós.

As imagens do texto de Lucas (5,1-11) que ouvimos, onde Jesus chama a si os primeiros discípulos para uma grande e fecunda pescaria, são imagens fortes e marcantes para encher de significado a celebração do primeiro grau do sacramento da Ordem, o Diaconato, que recebes diante da Igreja e para o serviço dela, mediante a imposição de nossas mãos e a graça do Espírito Santo.

No texto de Lucas havia uma multidão ao redor de Jesus, como aqui nesta noite ao redor de ti, Pedro! Lá a multidão se apertava para ouvir a Palavra de Deus que brotava da boca de Jesus.

Nesta liturgia, uma multidão de amigos teus se une a ti, a teus familiares e à nossa Diocese para ver-te revestido do ministério da Palavra, para confiar-se ao teu caridoso ministério do cuidado pastoral e fartar-se com o que tomarás do altar e darás a todos os famintos do peixe espiritual da Eucaristia. Sabemos das tuas habilidades com a Palavra, da tua Caridade pastoral e do teu zelo com o Altar. Queremos pedir-te hoje tuas fadigas nestes ministérios em favor da Igreja! Sê o ministro, o servidor e a encarnação da Palavra. Sê o samaritano da caridade misericordiosa. Sê um santo cuidador de coisas santas. Tu sabes, e eu dou testemunho disso, que nossos irmãos presbíteros são trabalhadores de todas as horas, imersos em muitas fadigas e cansaços, dia e noite. Eu creio que estamos lançando redes, em atenção ao que Jesus nos chamou a fazer. Não podemos nos cansar nem desistir, pois a ordem é avançar para águas sempre mais profundas, obscuras, desconhecidas e lá reconhecer que há peixes, há corações sedentos de Deus, há gente que precisa sair de águas perigosas e afogadoras!

Nesta noite, Pedro, quero trazer à minha memória, à tua e à de todos aqui presentes duas verdades que precisam nos acompanhar no caminho do discipulado, independe do lugar, do ofício, da missão que tenhamos abraçado. A primeira verdade é nossa condição de pecadores, pecadores redimidos no sangue d’Aquele que não conheceu o pecado. Eu, tu, ele, nós, vós, eles somos pecadores. “Sou um pecador”, diz Simão Pedro. O Divino Mestre chama, visita, perdoa, envia, conta com pecadores. Pecadores para os quais Ele é a medida de perfeição! Por isso, convida a vir atrás de si, a não pecar mais, a largar as redes, o manto, o leito e a tomar o caminho com ele, a avançar para a pesca, a permanecer com Ele. Não conheço em profundidade tua história de pecado nem sei das obscuridades de tua vida, mas peço-te, Pedro, que prossigas na tua conversão. Olhando-te nos olhos, digo-te à semelhança de Jesus: “de hoje em diante serás diácono, pescador de homens!”

Convido-te a lançar-te todos os dias aos pés de Jesus, como Simão, para acusar tua condição de pecador, deixar-te curar na misericórdia e seres capacitado para continuar lançando redes pela via do testemunho, da palavra crível, do exemplo edificante, da autoridade discreta, da simplicidade de coração. Avança na tua conversão até alcançares a forma de Cristo. Santo Agostinho ensina: “Cristo é formado no crente que recebe a forma de Cristo, e recebe esta forma quem adere ao Mestre com espiritual amor. Disto decorre que, imitando-o, o discípulo se torne o que Cristo é, na medida que lhe é possível”. Cristo é a medida estética e ética do coração humano, do teu coração. Configura-te a Ele, Pedro! Só assim tua rede se encherá de peixes. Não tenho constrangimento de te pedir isto, sendo eu mesmo pecador, nem de te pedir que rezes para que eu faça progressos semelhantes, em medida até mais exemplar que a tua. Não te falo como um santo, mas como teu companheiro mais velho na via da conversão. Meu ofício episcopal obriga-me a ter isto sempre presente para mim e a recordar isso sempre aos que me foram confiados: a ti, aos demais irmãos diáconos, presbíteros e bispos, a cada irmão, a todo o povo de Deus. Rezemos um pelo outro, uns pelos outros, para que nossa conversão nos torne menos indignos da missão que Jesus nos chamou a realizar. “Vós que temeis o Senhor, contai com sua misericórdia e não vos desvieis para não cair”, diz o Eclesiástico hoje. Somos pecadores redimidos e alcançados pela misericórdia e compaixão de nosso Deus! Não somos tão somente pecadores! Não é esta nossa condição original nem aquela para a qual caminhamos: o céu é lugar de santos, de convertidos segundo a estatura de Cristo. “Afasta-te do mal e faze o bem, e terás
tua morada para sempre!”, ensina hoje o salmista (Sl 36/37).

A segunda verdade que desejo recordar a todos é que não devemos ter medo. “Não tenhas medo” é uma expressão recorrente na Sagrada Escritura. Brota muitas vezes da boca de Jesus na direção dos discípulos, nas mais diversas situações: diante do pecado e da tempestade, diante da provação e da dúvida, diante da morte e do mistério… O medo reaparece também com frequência
ao longo do nosso caminho de discípulos: medo diante dos desafios, das provações, das contrariedades, medo dos insucessos, das cobranças, dos olhares, medo dos perseguidores, do juízo das pessoas e de Deus, das demoras de Deus, do sofrimento… Mas consola-nos o autor do Eclesiástico (2,1-13): “prepara tua alma para a provação se decidires servir o Senhor… mantém teu coração firme… não te assustes na contrariedade… suporta as demoras de Deus… agarra-te aele e não o deixes… sê paciente nas contrariedades de tua pobre condição… crê em Deus, e ele cuidará de ti… endireita teus caminhos… espera em Deus… conserva e envelhece no temor de Deus”.

Caro Pedro Henrique, duc in altum! Avança para as águas mais profundas do ministério sagrado. Lembra-te de que és pecador e sempre convidado à conversão e à experiência da misericórdia. Isto te levará à estatura de Cristo. Não te deixes estagnar pelo medo. Mantém teus ouvidos atentos pelo cultivo cotidiano da espiritualidade, onde o Mestre falará ao teu coração e renovará tuas forças. O Senhor que te chama também te indicará o caminho das águas e dos peixes. O importante é que teu coração esteja firme e agarrado no Divino Mestre, conhecedor dos corações chamados, das águas profundas e dos peixes que esperam ser tirados das profundezas da descrença e trazidos à luz e à pureza da fé!

Que Maria, a cheia de graça e a toda de Deus, te alcance a abundância da graça para teu ministério e a forma de Cristo Servidor para tua alma que deve ser sempre diaconal. Amém.

 

Dom José Carlos Campos, Bispo de Divinópolis-MG
Catedral Diocesana, Divinópolis, 14 de fevereiro de 2020

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