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Carta pelo Ano Nacional do Laicato

Na festa de Cristo Rei de 2017, celebramos não só a vocação dos leigos e leigas, mas também iniciamos aqui o ano nacional do laicato. Será um tempo oportuno e fecundo para trazer à luz a reflexão sobre estes “sujeitos eclesiais”, que ocupam lugar largo, criativo e imprescindível nas nossas comunidades e que estão por parte nas estruturas e ambientes do mundo.

Antes de mais nada, para evitar qualquer impressão pejorativa ou errônea, falemos de “cristãos leigos e leigas”. Não estamos usando este termo, “leigo”, para aquilo que ele se presta no discurso comum e corriqueiro, mas no sentido mais belo e profundo de quem pela fé teve acesso, conhecimento e experiência de Deus, na pessoa de Jesus Cristo, na Igreja, e fora iniciado na vida sacramental, e decidiu-se por um caminho, um formato existencial e uma ética de vida que o configure a Jesus de Nazaré, o Cristo de Deus, autor e consumador de nossa fé, de nossa vida e de nossa história.

Cristãos leigos são aqueles homens e mulheres que, a partir da fé batismal, da unção crismal e da vivência eucarística, buscam, para si e para o mundo, as realidades, as relações, os valores do Reino de Deus, anunciado e inaugurado por Jesus. Destes inúmeros corações crentes, nasceram as vocações ordenadas e consagradas, isto é, os que abraçaram o sacramento da Ordem ou o estado de vida religiosa. A base, portanto, de qualquer outra vocação na Igreja é a vocação laical. É deste estado que Deus chama filhos e filhas para outros estados de vida.

Os cristãos leigos têm uma dupla missão, fruto da primária e fundamental opção de fé que fizeram. Há uma missão para dentro da Igreja e uma missão para fora. Contudo, não se trata de áreas estanques, opcionais ou subsequentes. A fé anunciada, colhida, cuidada, transmitida, amadurecida nas estruturas e mecanismos eclesiais está exatamente em função de qualificar a presença e a atuação dos cristãos no mundo. A Igreja não é um gueto que se alimenta a si mesma apenas, para a própria manutenção ou permanência no mundo. Ela está no mundo como fermento, como germe, como ponto inicial de um projeto a ser consumado em Deus e por Ele. Os cristãos leigos são maturados na experiência comunitária da fé para estarem aptos a uma presença testemunhal e luminosa nas estruturas do mundo, nos espaços para além das Igrejas. Este cristão leigo tem, necessariamente, uma presença em múltiplas realidades do mundo, e nelas ele pensa, age, decide segundo os critérios e valores do Evangelho e do Reino, que lhe foram semeados no coração. Na política, na economia, na cultura, na arte, no lazer, na educação, no universo dos trabalhos e das ocupações cotidianas e rotineiras, os cristãos leigos estão revestidos e imbuídos de identidade e de princípios norteadores que os remetem a Jesus.

Há de se cuidar dos organismos eclesiais que garantem e sustentam os processos e itinerários de formar discípulos: a catequese e a liturgia, o processo de iniciação cristã e de formação permanente da fé, da espiritualidade e da missão, a vida comunitária e os serviços carismáticos que sustentam a natureza interna da Igreja. Mas, não se pode perder de vista a dimensão missionária e evangelizadora deste processo interno. “Ninguém nasce cristão, mas torna-se um”, escrevera Tertuliano (séc. II). E forma-se o cristão para o mundo, não só para a Igreja. A iniciação cristã, que agora assume perspectivas da primeira hora do cristianismo, num viés catecumenal, tem a tarefa de introduzir no mistério de Cristo e da Igreja, como também de fazer chegar esta opção por Cristo ao centro mais profundo e interior das decisões, dos sentimentos, dos valores do coração que crê. Assim, Cristo se torna sentido e horizonte da vida pessoal.

Cristão leigo, portanto, é aquele que toma seu lugar, sua missão, seu carisma no coração da Igreja e que, com o mesmo ardor e coragem profética, toma seu lugar no coração do mundo, levando o nome de Cristo, “cristão”, e interferindo eficazmente na conversão das estruturas do mundo para que sejam lugares onde o Reino se instale.

Cabe aos pastores reconhecer e estimular esta presença fecunda e eficaz dentro e fora das Igrejas; cabe-lhes o ofício de “ministros da síntese”, ou seja, reconhecem e recolhem as muitas forças e dons presentes em cada batizado e articulam esta energia espiritual e humana na construção e ampliação da Igreja e do Reino, dentro e fora dos templos.
Nossa Diocese de Divinópolis tem uma bela trajetória de formação dos cristãos leigos. Desde Dom Cristiano, nosso primeiro Bispo! Chegado do Concílio, e depois de ter participado de todas as sessões dele, Dom Cristiano pôs prioridade na valorização e formação das lideranças leigas, sobretudo as das comunidades rurais. Tivemos uma vigorosa Pastoral Rural, de caráter eminentemente missionário e evangelizador. Vamos celebrar, em 2018, 50 anos deste trabalho. Uma pastoral que se preocupou em formar e dinamizar as comunidades, em ensinar cuidados básicos com a saúde, em incrementar a organização da agricultura familiar, em organizar os conselhos das comunidades… O próprio Bispo visitou quase todas as comunidades. De lá para cá, cultivou-se esta atenção ao laicato, seu reconhecimento, sua valorização e sua formação. Nestes quase 60 anos de vida diocesana, não faltaram cursos, encontros, escolas, atividades, eventos e o próprio Conselho Diocesano de Leigos (que comemora seus 25 anos de existência!), que expressaram o cuidado de nossos pastores com os cristãos leigos e leigas nesta nossa Igreja Particular. Muito mais se pode e se fazer. Podemos ainda diversificar, qualificar, democratizar estas formações. E haveremos de fazer isto.

Contudo, quero sugerir dois encaminhamentos que julgo oportunos e necessários hoje em relação ao laicato. Primeiro: precisamos “espiritualizar” mais esta formação, isto é, precisamos avançar para além do meramente teórico, teológico ou pastoral. Precisamos recuperar a dimensão espiritual da nossa missão. Precisamos do cultivo de espiritualidade sadia, encarnada, mistagógica, mistérica… que nos leve a fazer o que fazemos por causa de Deus, por causa da fé. Não fazemos por filantropia, por mero humanismo, por boa vontade ou reta consciência. Fazemos por consciência de fé, por maturidade espiritual, por compromisso com o Evangelho e o Reino. Precisamos de momentos orantes, de experiências verdadeiramente mistagógicas, de cultivo de vida interior. Segundo: precisamos dar “maioridade” aos leigos, sobretudo nas instâncias colegiais da Igreja. Não podem ser meros opinadores, doadores de sugestões. Precisam ser tratados como “sujeitos eclesiais” maduros e sérios, capazes de ponderações por vezes diferentes das nossas e melhores que as nossas de pastores. Decidir com eles. Transformar nossos conselhos, por decisão e desejo nosso, em instâncias não obrigatoriamente consultivas, mas democraticamente deliberativas. Não só colegiais, mas sinodais, ou seja, com direito a decisões efetivas! Já que eles não podem escolher o padre ou bispo que querem, possam interagir com aqueles que foram colocados como pastores à frente das comunidades, em grau maior de corresponsabilidade e de decisão. Seria um belo exemplo de reconhecimento da maturidade e da seriedade da presença efetiva dos cristãos leigos e leigas nos nossos conselhos de comunidade, de paróquia, de diocese.

Vamos ao ano do laicato! Que venham novas semeaduras e novas colheitas durante este ano dedicado à grande comunidade de batizados que enche, embeleza e faz caminharem nossas comunidades e o Reino de Deus no mundo. Benditos sejam os cristãos leigos e leigas, cujo coração bate em sintonia com o de Jesus, no seio da Igreja e no coração do mundo!

Dom José Carlos de Souza Campos
Bispo Diocesano de Divinópolis – MG

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