Edificar e manter relacionamentos – dom e desafio
Homem e mulher são gerados, nascem e são criados com base em relacionamentos, e sua estrutura os torna não apenas capazes, mas dispostos a se relacionarem. Prova disto é que o homem, dentre todos os animais, para manter sua integridade e sua sanidade necessita do contato com seus semelhantes, não somente por uma questão de sobrevivência biológica, mas para ter verdadeira realização e felicidade. Um exemplo que gosto de citar é que todo homem ou mulher, grande ou pequeno, gordo ou magro, belo ou não – segundo os padrões –, rico ou pobre, culto ou inculto, religioso ou ateu…, não importa sua condição, ele ou ela, chega ao mundo por meio de outros seres humanos (pai e mãe). Chega ao mundo despreparado e carregado – no colo –, e deixa este mundo, não poucas vezes, despreparado e também carregado – no caixão ou equivalente.
Somos dependentes em nossas relações e necessitamos aprender a edificá-las e mantê-las sem nos tornarmos subjugados, e sem subjugarmos os outros, perdendo, assim, a condição inalienável para viver humanamente: a liberdade e a gratuidade de estar com o outro. Assim, podemos dizer que conhecer uma pessoa é uma dádiva, torná-la sua amiga é uma conquista, mantê-la numa amizade saudável é uma arte.
Sabemos que existem pessoas que nascem com aptidões para as artes (música, escultura, escrita, poesia, matemática e outras), mas se tais aptidões não forem desenvolvidas, tais “artistas” sempre serão limitados pela sua omissão, falta de empenho ou de esforço. Não basta receber um dom, uma aptidão, é preciso cultivá-lo, desenvolvê-lo, cada vez mais, até a última possibilidade. Quanto ao melhoramento em nosso modo de viver os relacionamentos depende de nosso esforço e empenho. Às vezes, um gesto pequeno pode trazer grandes mudanças. Veja a seguinte história:
“Num quarto modesto, a situação grave daquele enfermo requeria o precioso silêncio. Mas, a velha porta de seu quarto rangia nas dobradiças cada vez que alguém a abria ou fechava. O momento de recuperação solicitava quietude, tranquilidade, mas a porta envelhecida não era oportuna para tal. Com a passagem do médico, a porta rangia. Nas idas e vindas dos enfermeiros ela gemia. No trânsito dos familiares e amigos, eis a porta a chiar, estridente. Aquela circunstância trazia ao enfermo, e também ao enfermeiro e a todos que prestavam assistência médica e carinho àquele enfermo, uma verdadeira guerra de nervos. Todos se sentiam incomodados e o nervosismo foi tomando conta. Contudo, depois de várias horas de incômodo, chegou um vizinho e colocou algumas gotas de óleo lubrificante na antiga dobradiça, e a porta silenciou, tranquila e obediente.”
Em muitos relacionamentos existem tumultos e conflitos decorrentes da convivência no lar, no trabalho, na comunidade… As dobradiças, ou costumes já envelhecidos, dos relacionamentos criam “ruídos” inconvenientes. As dobradiças são as atitudes que sustentam as portas dos relacionamentos, são os vínculos que nos aproximam ou nos unem aos demais. E, às vezes, acontece uma decepção, uma traição, um rancor, uma frustração, uma necessidade não atendida, uma mágoa, um esquecimento de alguém, um olhar não dado, uma palavra negada… Quando isso acontece, devemos lembrar que esses são ruídos produzidos por “dobradiças” malcuidadas. É preciso então lubrificar com algumas gotas de óleo. Eis algumas dessas gotas: SILÊNCIO, COMPREENSÃO, PERDÃO, PACIÊNCIA, CARINHO, SOLIDARIEDADE, GESTOS DE TERNURA, acredito que você conheça outras gotas necessárias em seu próprio relacionamento. E se você pensa que são poucas e insignificantes tais gotinhas, lembre-se de que uma grande catedral teve início com uma pedra; o mar é formado de pequenas gotas; a praia, de pequeninos grãos de areia. E você começou a ser gente com duas pequenas células que se encontraram.
Ah! Lembre-se que não escrevi isto para ajudar quem lê a julgar ou avaliar alguém, mas para pensar sobre si mesmo. Cada um é juiz de si e só Deus é juiz de todos. Bom relacionamento para quem o tem e boa sorte para quem o procura. Um abraço.
Dom Moacir Silva Arantes
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Goiânia